Final de 1974. O país está em revolução acelerada, sem tempo a perder, nem possível volta atrás. Para quem sempre usou a música para agitar a malta, como José Afonso, foi um mergulho completo e inteiro nessa utopia coletiva. E é precisamente no meio dos muitos concertos improvisados, das infindáveis sessões de esclarecimento e do ardente consumo físico, que surge uma das obras mais brilhantes de José Afonso.
“Coro dos Tribunais” é uma colheita depuradíssima, que junta as muitas castas do caminho criativo até então trilhado pelo cantautor: as baladas e canções, em “Não Seremos Pais Incógnitos”; a fusão modernista (a que um dia haveriam de chamar world-music), em “Lá no Xepangara” e “Ailé! Ailé!”; as geniais músicas que Zeca criou, anos antes, em Moçambique, para teatro, sobre textos de Bertold Brecht – tão adequados ao momento; o universo surrealista e mordaz, em “A Presença das Formigas” ou “Tenho um Primo Convexo”; os hinos à mobilização solidária em “Só Ouve o Brado da Terra” e, claro, “O que Faz Falta”.
“Coro dos Tribunais” é uma constelação de músicas preciosas, laminadas na estética tão singular de José Afonso, à qual se junta a sofisticada direção musical de Fausto (que, então, com ele iniciava uma profunda colaboração) e um trabalho de grupo que ‘só’ contou com Adriano Correia de Oliveira, Carlos Alberto Moniz, Michel Delaporte, Yório ou Victorino.
Esta nova edição de “Coro dos Tribunais”, a ser lançada a 30 de Setembro pela Mais5 e suportada em mais uma certeira remasterização de excelência de Florian Siller e no retratamento visual, pelo próprio, da arte gráfica de José Brandão, transporta-nos, de novo, para aquele período único da nossa vida coletiva, ao mesmo tempo que traz a uma nova luz do dia esta obra maior da música popular portuguesa.