Como pode uma pandemia afetar a nossa forma de escutar?
E que impacto poderá esta ter sobre os nossos modos de fruir e de criar arte sonora?
O projeto New Chronologies of Sound pretende gerar um debate em torno destas questões, inaugurando-se com a publicação de uma invulgar coleção de peças sonoras baseadas em gravações de campo, numa encomenda do Teatro Aveirense / Câmara Municipal de Aveiro à associação Navalha e à sua editora VIC NIC, no âmbito do programa municipal “Cultura em Tempos de (In)Certeza”.
Com curadoria de Hugo Branco, diretor artístico da VIC // Aveiro Arts House, e lançamento em formato vinil, CD e digital, a coleção reúne alguns dos artistas e investigadores sonoros mais relevantes desta área, a nível internacional, nacional e local, entre os quais se podem destacar Matthew Herbert (UK), AGF (DE), Lawrence English (AU), Kyoka (JP), Budhaditya Chattopadhyay (IND), Natalia Valencia Zuluaga (CO), Gustavo Costa (PT) ou Diana Combo (PT).
Na sequência de um apoio da Direção-Geral das Artes e das parcerias estabelecidas com organizações como o MAMM, o INET-md, a MUSA ou o AEJE, o projecto original ramificou-se ainda em outras direções promissoras, tais como uma exposição que se realizará no Museu de Arte Moderna de Medellín, na Colômbia; o banco de sons gratuito Negative Mass, constituído por gravações usadas pelos artistas na composição das suas faixas; e a seleção de ensaios teóricos A Collection of Whispers, onde se reflete, a partir de uma perspetiva sonora, sobre os impactos que esta pandemia teve na perceção coletiva do tempo.
De facto, todo e qualquer evento de dimensões planetárias – como uma guerra ou uma pandemia – gera uma nova relação “antes-durante-depois”, coletivamente percebida. Se o “antes” se refere àquilo que temos hoje tendência a identificar com a normalidade, e o durante se refere à atual situação de confinamento, desconfinamento ou reconfinamento (dependendo do contexto), o “depois” insiste ainda – e talvez mais do que nunca— em se apresentar como enigma absoluto, infinitamente aberto a novas especulações, expectativas e ansiedades.
Talvez este conjunto de obras sonoras possa fornecer pistas relevantes para uma reflexão, abraçando uma ampla diversidade de geografias – Amesterdão, Medellín, Nova Iorque, Shizumi, Aveiro e outros lugares – assim como diferentes registos estéticos e latitudes processuais, num espectro que vai desde as paisagens sonoras puras às gravações de campo processadas ou mesmo à utilização mais musical dos sons recolhidos.