Movimento da criação no feminino embala o berço na 10ª edição do GUIdance

A programação da 10ª edição do GUIdance é desfolhada a partir das 21h30 do dia 6 de fevereiro, no Grande Auditório do CCVF, com a criadora Tânia Carvalho a colocar em palco sete bailarinos ou encarnações físicas de um onirismo sob controlo, sete corpos saídos dos limbos amargos de um sono desperto, acompanhados em cena pela coreógrafa, ao piano.

A dança e a música vivem assim no palco em Onironauta (do grego óneiros, sonho + náutés, navegante). Depois da estreia em Marselha, e da passagem por Lisboa, Tânia Carvalho regressa assim ao GUIdance – depois de, em 2017, ter estreado Captado pela Intuição – para inaugurar esta edição do festival. Com uma carreira de mais de duas décadas, a coreógrafa volta a criar uma peça comovente e arrepiante, como alguns sonhos perturbadores dos quais se acorda confuso e a tremer.

A coreógrafa em destaque na comemoração dos 10 anos do festival – Vera Mantero – veste várias peles nesta edição, começando por apresentar o seu Esplendor e Dismorfia na segunda noite do festival (7 fevereiro), em estreia nacional. Em colaboração com o construtor sonoro e cénico Jonathan Uliel Saldanha, Esplendor e Dismorfia é um recital híbrido para dois corpos-paisagem animados pela respiração. Vera Mantero surge novamente para abrir a segunda semana do festival com Os Serrenhos do Caldeirão, exercícios em antropologia ficcional (12 fevereiro), criação de 2012 em que se debruça sobre a desertificação e a desumanização da Serra do Caldeirão, no Algarve. A célebre e icónica coreógrafa portuguesa, cujo trabalho já percorreu vários continentes, estará ainda em contacto com o público numa conversa próxima e descontraída que terá lugar no final da apresentação deste seu último espetáculo.

O primeiro sábado desta edição (8 fevereiro) é dia de dupla apresentação. A tarde traz-nos a estreia absoluta de RITE OF DECAY, da coreógrafa e performer Joana Castro, criadora com passagem no Centro de Criação de Candoso (CCC), em Guimarães, para uma residência artística prévia à estreia no festival. Esta, em colaboração com a artista sonora Diana Combo, parte da ideia da gestão de um corpo que se desmultiplica noutros, já extintos ou por vir. Numa dança sobre a morte, ou várias mortes. O fim do mundo como uma metáfora para a nossa própria degradação. À noite, o regresso ao festival da efervescente e impetuosa Akram Khan Company oferece-nos a estreia nacional de Outwitting the Devil, espetáculo inspirado num fragmento da Epopeia de Gilgamesh, que descreve a admiração do rei semidivino da Suméria pela abundância e biodiversidade, sendo, por isso, considerado o primeiro poema ambiental do mundo. Num épico de tábuas quebradas e ídolos caídos, interpretado por um elenco de bailarinos de diferentes culturas e gerações, Akram Khan dispara em palco um tiro de advertência. Aqui o diabo é, na verdade, o homem – uma criatura ingrata capaz de destruir tudo e todos ao seu redor.

A coreógrafa Marlene Monteiro Freitas convida-nos para Bacantes – Prelúdio para uma Purga no dia 13 fevereiro no palco maior do CCVF. Nesta tragédia grega de Eurípides percorre-se o delírio, o irracional, a histeria, a loucura, vai-se da ilusão à cegueira e da cegueira à revelação. Eis o mundo, moral e estético, que Marlene Monteiro Freitas nos incita a percorrer. Música, dança e mistério conduzem-nos quão funâmbulos sob o fio da intensidade, num combate de aparências e dissimulações, polarizado entre os campos de Apolo e Dionísio. A noite seguinte (14 fevereiro) é protagonizada por uma dupla de criadores portugueses com larga história colaborativa: Sofia Dias & Vítor Roriz apresentam O que não acontece no GUIdance. A coexistência de palavras e movimento é uma das questões centrais no trabalho de Sofia Dias & Vítor Roriz. Nesta peça, a dupla de coreógrafos e bailarinos leva ao extremo a tensão existente entre os dois. No final de tudo, o que parece sobressair na massa de palavras, ideias e imagens em movimento, é o desejo de estar em relação e de construir um espaço comum. Acolhedor e igualmente perigoso.

O sábado (15 fevereiro) do último fim de semana desta edição tem dose tripla de propostas: um espetáculo para toda a família às 16h00, uma estreia absoluta às 18h30 e uma estreia nacional às 21h30. Começamos com a apresentação do espetáculo da autoria de Fernanda Fragateiro com coreografia de Aldara Bizarro. Composta por madeira, espelho, aço, e um tapete de algodão negro, Caixa para Guardar o Vazio é uma escultura, mas também um lugar para explorar com o corpo e com todos os sentidos, num processo de descoberta individual ou coletivo. A caixa é ativada pelos corpos de dois bailarinos, que dialogam entre si e com o público, através do movimento e da voz, num atelier performativo especialmente pensado para as crianças, proporcionando-lhes um papel ativo e criador.

Seguimos para a estreia de Dias Contados de Elizabete Francisca, criadora que também habita o CCC para uma residência artística antes da aparição ao público no GUIdance. O imaginário desta peça transporta-nos para Lisboa mas podia ser outra grande cidade, cujas transformações socioeconómicas radicalizam a vida das pessoas – em particular as mulheres – e nos obrigam a refletir e a repensar modos de vivência, de resistência e de insurreição. Dias Contados põe em palco Elizabete Francisca e Vânia Rovisco, dois corpos-escultura, corpos-ação, que através de gestos, imagens e palavras, restituem um olhar sobre a conceção de comunidade, território e pertença. Este dia termina em grande forma com a bailarina e coreógrafa canadiana Marie Chouinard, com mais de 40 anos de carreira, a estrear-se no GUIdance com duas peças particularmente significativas do seu repertório: A Sagração da Primavera (1993) e Henri Michaux: Mouvements (2011).

A 10ª edição do GUIdance encerra as cortinas no dia 16 de fevereiro com a estreia nacional de Des gestes blancs, espetáculo para famílias da Naïf Production, uma fábrica de espetáculos ao vivo e aventuras coreográficas coletivas que questionam a convivência. Nesta criação de Sylvain Bouillet com dramaturgia de Lucien Reynès, oito é uma idade emocionante. A imaginação é imensa e a energia nunca acaba. Entre a independência autodeclarada e a necessidade de cuidado e conforto, as crianças correm, sem freios e sem pausas, e aprendem, brincando. Em Des gestes blancs, Sylvain e Charlie Bouillet, pai e filho de 8 anos, exploram um relacionamento altamente físico e emocional, numa jornada de descoberta tanto para o adulto, como para a criança atrevida.

As imprescindíveis e igualmente centrais atividades paralelas do festival oferecem a oportunidade de contacto com alguns dos mais importantes e celebrados coreógrafos internacionais a profissionais e alunos de dança de nível avançado através das masterclasses com a Akram Khan Company (7 fevereiro) e a Compagnie Marie Chouinard (16 fevereiro), mediante inscrição até 26 de janeiro.

A programação paralela do festival chega a todo o público por intermédio de dois debates (8 e 15 fevereiro) moderados por Cláudia Galhós sob o mote ‘Pensar, Sentir, Dançar’; conversas pós-espetáculo que marcam encontro de criadores como Vera Mantero, Akram Khan Company e Compagnie Marie Chouinard com o público após as respetivas apresentações, para um momento de proximidade descontraído e interativo; os embaixadores da dança que levam coreógrafos como Tânia Carvalho e Sofia Dias & Vítor Roriz a partilhar o seu percurso, a sua experiência de vida e as suas visões artísticas em contexto de sala de aula. Uma visita devolvida depois pelos alunos, para assistirem ao espetáculo do criador que com eles estabeleceu um sentido de partilha; e ainda ensaios abertos para escolas de dança de Guimarães, que durante o GUIdance são convidadas a assistir aos ensaios das companhias presentes no programa, seguidos de uma conversa com Cláudia Galhós.

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