Festivais Gil Vicente não param até à última nota…

A festa não chegou ao fim. E a celebração do teatro em Guimarães tem ainda muito a dizer, com distintos textos, gestos, corpos, olhares, movimentos e sons a irromperem os palcos desta 32ª edição ininterrupta dos Festivais Gil Vicente.

Após duas semanas iluminadas com criações de Pedro Gil, Miguel Castro Caldas, João Sousa Cardoso, Manuela Ferreira e de seis grupos de teatro de amadores de Guimarães, as criações de Marco Mendonça, João Pedro Leal, Eduardo Molina, Mónica Calle, Gonçalo Fonseca e Nuno Preto avançam para a frente de palco para a última ronda de espetáculos, que decorre até 16 de junho.

 

Os Festivais Gil Vicente reentram em cena já esta quinta-feira com A Praça a levar o teatro ao espaço do antigo Mercado Municipal, seguida da entrada em palco de Parlamento Elefante, de Ensaio para uma Cartografia e de Ponto de Fuga, completando o círculo de uma festa protagonizada em Guimarães por todos os amantes praticantes de teatro, sejam profissionais, amadores ou estudantes, juntos numa celebração que integra, para além de espetáculos, formações, oficinas e encontros e se abre ao Gangue de Guimarães e aos alunos da Universidade do Minho e do Teatro Oficina.

 

Na sua 32ª edição, os Festivais Gil Vicente reentram em cena a partir desta quinta-feira com A Praça a levar o teatro ao espaço do antigo Mercado Municipal de Guimarães. A vaga final de espetáculos inicia-se assim esta quinta-feira com uma estreia, convidando-nos a visitar esta nova criação em que o Teatro Oficina cruza os quase 60 alunos que, ao longo deste ano, participaram nas Oficinas do Teatro Oficina para criarem um espetáculo, dirigido por Gonçalo Fonseca, no qual se apropriam da praça exterior do Centro Internacional das Artes José de Guimarães, antigo espaço do Mercado Municipal de Guimarães. Esta praça, como tantas outras, está cheia de acontecimentos, uns maiores, outros mais pequenos. Se nos sentarmos na esplanada a olhar quem passa, quem espera, quem a habita, percebemos que ela não está parada. Ela respira, tem um tempo, por vezes um contratempo. Uma das inspirações para este espetáculo é a obra “A hora em que não sabíamos nada uns dos outros” de Peter Handke, um texto sem texto, ou melhor, sem falas, diz somente as ações de personagens que passam pelo espaço. Entre outras coisas, propõe ao público que se emocione, que invente, que imagine de uma outra forma, da sua forma, as histórias e as personagens no palco, n’A Praça.

 

No dia seguinte, 14 de junho, à mesma hora, é a vez de assistirmos ao recém-estreado Parlamento Elefante, projeto vencedor da primeira edição da Bolsa Amélia Rey Colaço, uma iniciativa do Teatro Nacional D. Maria II, do Centro Cultural Vila Flor e do Espaço do Tempo. Eduardo Molina, João Pedro Leal e Marco Mendonça imaginam um espetáculo com uma existência prévia: uma criação nascida no início do século XX para ser apresentada em 2019, ano em que já não haveria guerras, a democracia estaria consolidada e a arte não sofreria censura. Curioso dispositivo para pensar a arte e a política. Os três jovens criadores partem das suas datas de nascimento para, na companhia de Mestre André, abrir caminho a uma reflexão e atravessar acontecimentos históricos, sejam eles o findar de uma guerra ou a estreia de um filme. De Che Guevara ao Capitão América, dos Beatles aos Ace of Base, de Gandhi a Quentin Tarantino, reúnem-se para forjar leis universais, colaborar em conflitos de interesse, manipular massas, falsificar assinaturas e outros planos maléficos. Mas a partir do ponto de vista que lhes permitiu existir: o dos seus antepassados. Agachados numa trincheira ou sentados à mesa duma conferência internacional, revisitam o passado para pensar o presente. E o assunto mantém-se. Democracia.

 

Mónica Calle marca o último espetáculo desta edição apresentado no Centro Cultural Vila Flor. A encenadora e atriz portuguesa brinda-nos com Ensaio para uma Cartografia às 21h30 do dia 15, sábado. Resistência. Coragem. Superação. Em Ensaio para uma Cartografia (na foto) assistimos à construção de um caminho individual e coletivo, artístico e pessoal. Um procura da transcendência, através da falha, do confronto com os limites e da tentativa de superação. A partir dos ensaios de orquestra de grandes maestros e dos movimentos de ballet clássico, doze atrizes – Ana Água, Cleo Tavares, Eufrosina Makengo, Lucília Raimundo, Mafalda Jara, Maria Inês Roque, Miu Lapin, Mónica Calle, Mónica Garnel, Roxana Lugojan, Sílvia Barbeiro, Sofia Vitória – dançam e aprendem a tocar instrumentos clássicos.

Tendo surgido de um percurso iniciado pela artista em 2014 a partir de Os sete pecados mortais de Bertolt Brecht e de A boa alma de Luís Mário Lopes, neste espetáculo traça-se uma cartografia alternativa. Uma perspetiva sobre a música e a dança clássicas a partir do olhar estrangeiro de quem vem do teatro. Através destes materiais procuram-se e questionam-se os princípios essenciais do que é um intérprete. A versão apresentada nos Festivais Gil Vicente estreou em 2018, no Teatro Nacional D. Maria II, com três semanas de apresentações esgotadas e um grande impacto no público e na crítica. Em 2019 iniciou-se uma digressão internacional por Viena, na Áustria, com sessões esgotadas e uma igual grande receção por parte do público e da crítica, prevendo-se, ainda este ano, apresentações na Alemanha e França.

 

A derradeira performance desta 32ª edição dos Festivais Gil Vicente surge na forma de uma surpreendente visita ao Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG): Ponto de Fuga. Nesta viagem performativa – da autoria do ator, encenador e dramaturgo Nuno Preto – os visitantes são autorizados a deixar escapar o corpo para onde, normalmente, não mexe; deixar escapar a voz para onde, normalmente, ela não se manifesta; deixar-se escapar no museu pelos lugares invisíveis feitos de escadas e corredores, máquinas e vento. Nesta viagem, o caminhante é o personagem principal e o que absorve é aquilo que o transforma. Nesta caminhada, respira-se um museu feito de salas e mais salas, de silêncio, de sensações, impressões, e mais salas, de ruídos, de ecos e salas, de movimento, de cor, e mais salas e salas. Recorrendo à história do lugar, a quem lhe dá o nome, nesta viagem faz-se do ponto de fuga um lugar de novos silêncios, sensações, impressões, ecos, movimentos, de novas cores, novos lugares, criam-se novos pontos de fuga e olha-se para onde, normalmente, não se olha transformando o museu no lugar de olhares inesperados.

A viagem acontece dia 16 (domingo), às 17h00.

 

photo: Bruno Simão

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