Erva Daninha cria ‘efeito de [Mostra] Estufa’ positivo em prol do circo contemporâneo

A Mostra Estufa está de regresso à ‘cultura intensiva’ de circo contemporâneo, a sementeira criativa estará disponível para medrar no palco do Teatro do Campo Alegre, no Porto, nos próximos dias 17 e 18 de dezembro.

À parte (d)as alusões metafóricas, a iniciativa, que nasceu da vontade conjugada entre a companhia Erva Daninha e o Teatro Municipal do Porto, vai mostrar ao público o resultado do trabalho que consagra o desafio de um conceito de criação que se apresenta sob a forma de três propostas artísticas distintas de per si: malabarismo, suspensão capilar e trapézio. É só um pequeno hiato até convocarmos o nome dos intérpretes para este texto…

 

O desígnio do binómio Erva Daninha – Teatro Municipal do Porto na concepção de um programa como o da Mostra Estufa passa pela constituição de um espaço-laboratório para que novos criadores ou propostas emergentes possam surgir, contribuindo para o desenvolvimento desta área, sobretudo a nível nacional. A ideia é que tal como acontece numa Estufa, se possam proporcionar as condições ideais para incubar a investigação de formas, conteúdos e experimentação técnica.

Nos dias 17 e 18 de dezembro, sábado às 19h30 e domingo às 17h00, as propostas com direito a desfilar no palco constituirão uma trilogia de conteúdo diferenciado, mas com direito a apresentação em bloco sequencial em cada um dos dias. Vamos elencá-las uma a uma, esquecendo a ordem de exibição das mesmas ao olhar da audiência.

 

Evocar” é uma sugestão com recurso a uma abordagem técnica do uso da suspensão capilar. Lia Vilão mergulha na temática da questão da nossa existência e nos ciclos de vida, no desaparecimento e na circularidade temporal em que o jogo é nascer, viver e morrer, há ainda a possibilidade da percepção imaginativa de (re)nascer depois da finitude corporal: algo que emerge num devir contínuo. Tavez se fale numa certa ideia de reencarnação, ou talvez nem por isso. Só terá a certeza, e essa é mesmo possível, quem for ver. “É garantido que todos nascemos e morremos. O ciclo de vida ensina que, depois de morrer, podemos nascer de novo tendo liberdade para retomar ao mundo físico”, assegura a intérprete.

 

Por seu turno, a proposta que se intitula por “Shelí” dá em sentido figurado e também literalmente ‘uns ares de palco’, pois tudo, ou quase tudo, acontece em torno de um trapézio. Em boa verdade, neste espectáculo, as artistas Irit Cahn, María López del Peso e Shai Hanaor acabam por inventar um “trêspézio”: três mulheres, três alturas, três formas de corpo. No domínio da mitologia, três mulheres eram uma estrutura forte. No teatro e na literatura isso também se tornou perceptível. As três irmãs do destino, que controlavam o fio da vida e da morte, também servem de mote para ilustrar a exploração deste exercício artístico. Existirá aqui um empoderamento feminino? Só as duas intérpretes israelitas e a espanhola do elenco saberão responder. Mas para isso vai ser necessário contar até três, perdão, com as três.

 

OQNEPOMNOZCANCO que não era para o Manel, nem o Zé comeu, aliás Ninguém comeu”, eis o título assumidamente enigmático que Ivo Nicolau escolheu para a sua peça circense cuja prevalência na esfera do malabarismo é notória, sem contudo enjeitar técnicas de teatro físico e movimento num resultado de apreciável conteúdo performativo multidisciplinar. O jovem intérprete faz uma incursão que se fosse plasmada, traduzida, no universo pictórico teria elementos de abstracionismo combinados com tópicos de surrealismo. Em jeito de convite diz(-nos): “De céticos para céticos uma leitura de tarô, um prato a apodrecer, mas sempre comestível, uma andorinha que nada, uma voz que manda e um tipo que tudo justifica sem concretizar as suas palavras. Nada será à toa se um propósito for imaginado. Levemos também o Nada em consideração. E, se possível, façamos da observação uma obra e não uma mera ação. A interpretação é livre e também nós o deveríamos ser. Bom desfrute visual.”

 

Nos intervalos, entre cada um dos trabalhos apresentados, serão exibidos excertos de registos do processo de criação nas suas diferentes fases cujo labor ficou a cargo da videasta Ashleigh Georgiou. Ainda no âmbito da Mostra Estufa, nos dias 17 e 18 de dezembro decorrerá uma formação gratuita no segmento de trapézio-dança, a cargo da artista norte-americana Sage Cushman. Esta ação destina-se a profissionais e/ou estudantes que se movem na área do circo contemporâneo.

 

Photo: Marta Marques

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