Revisitar a obra de Eliane Duarte, artista brasileira falecida em 2006, é o desafio lançado por Agulha Guia, uma mostra curada por Claudia Saldanha, a inaugurar no Maus Hábitos, no Porto, a 14 de Fevereiro.
Partindo dum exercício de transformação da sua obra inicial, Eliane recortava, dobrava e costurava as suas pinturas para, com isso, lhes descobrir novas superfícies e abordagens. Num trabalho de redefinição da própria obra, iniciou uma série de relevos que revelavam uma vasta experimentação em busca de novas formas até então relegadas ao plano bidimensional. Partia de sobras de telas, caixas de papelão, couro e também da pele de animais e as preenchia com algodão e outros materiais atribuindo volume e estranheza a seus objetos. Abdicava assim da tela como suporte de representação e construía superfícies, criava corpos estranhos como que a descobrir-se a si mesma, seus gestos, seu próprio corpo, sua memória.
De acordo com a curadora, Claudia Saldanha, o seu trabalho pertence a uma genealogia bastante vigorosa da arte latino-americana. Eliane admirava a obra de Lygia Pape, de Hélio Oiticica e de Lygia Clark (especialmente sua última fase – a dos objetos relacionais). A mesma admiração estendia-se à obra de Brígida Baltar, com quem dividiu ateliê, de Efrain Almeida e de Marcia X. Com todos manteve um intenso diálogo. Revelava grande fascínio por Rembrandt e pela série de pinturas negras de Goya. “Esta mostra traz à tona a atividade fugaz mas de grande valor de Eliane Duarte”, esclarece a curadora.
Amigos próximos colaboraram com alguns fragmentos de memória — uma foto, uma entrevista, um desenho. Duas obras da coleção da Galeria Graça Brandão estão em exposição. Criaturas da Noiteparticiparam da mostra Esculturas como Cicatrizes, no Porto, na Galerias Canvas. Executadas em tecido e cobertas de cera de abelha e pigmentos, esses estranhos órgãos tridimensionais nos revelam o vasto universo de referências acionado pela artista em sua obra. Com o conjunto de fotografias e documentos apresentados buscou-se conectar fatos, vestígios, indícios.
Com uma forte actividade nacional e internacional, Eliane Duarte ganhou um prémio no Salão Nacional de Artes Plásticas da Funarte, viu a sua obra incluída na colecção do Museu Nacional de Belas Artes do Rio e expôs em espaços como a Galeria Anna Maria Niemeyer, no Rio de Janeiro, na Galeria Camargo Villaça ou na Galeria Canvas, no Porto. Participou também de relevantes exposições coletivas como “Entretelas”, no Museo Alejandro Otero, em Caracas, Venezuela, com Iole de Freitas e Beatriz Milhazes; “Os 90”, no Paço Imperial do Rio, em 1999; e nas Cavalariças da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, com Marcia X. e Lina Kim, em 2003.