Em meados da década de 60, chegaram ao Luxemburgo os primeiros emigrantes provenientes de Portugal, na busca de melhores condições de vida e de trabalho. Muitos deles nunca mais regressariam ou voltariam apenas em visitas esporádicas, encontrando um país muito diferente do que haviam deixado e que tinham na memória. Em O Começo Perdido: Mixtape #1, o dramaturgo e encenador luso-descendente Pedro Martins Beja “puxa a fita atrás” para dar a conhecer as recordações de uma nação que vive noutro país.
Com o objetivo de descobrir as raízes do povo “lusoburguês”, que atualmente representa cerca de um sexto da população do Grão-Ducado, a peça recorre a uma mixtape, contando com música ao vivo. Entre ecos de fado num rádio roufenho, reclames televisivos, festas da matança do porco e histórias de lobisomens e bruxaria, são muitas as faixas que compõem a tracklist desta cassete. O conflito entre passado e futuro, velhos e jovens e patriarcado e emancipação é igualmente um leitmotiv do espetáculo. Nesta produção, Pedro Martins Beja não se limita a colocar as suas memórias pessoais em cima do palco, mas utiliza-as como um ponto de partida possível, recorrendo ainda aos contributos do elenco, composto por atores “lusoburgueses” e portugueses.
Mas O Começo Perdido: Mixtape #1 é mais do que uma simples viagem ao passado. Explorando os sonhos cumpridos e as ilusões desfeitas, o inquietante, o reprimido e o inconsciente, a peça propõe uma redescoberta da identidade e a desmistificação do conceito de pátria, apresentando Portugal não como um lugar real, mas sim uma projeção, o país distante da infância, imaginado por palavras e sons. Para lá das ligações concretas entre Luxemburgo e Portugal, são abordadas ainda temáticas que ultrapassam este contexto particular, entre elas a xenofobia sofrida pelos que decidem emigrar. No local, descobre-se o global. No biográfico, o geral. Na solidão individual, a solidão metafísica.
O espetáculo resulta da colaboração entre o Teatro Nacional São João (TNSJ) e o Théâtre National du Luxembourg – onde se estreou em outubro – e estará em cena no Teatro Carlos Alberto (TeCA), de 16 a 19 de dezembro.
Photo: Jessica Theis