GUIdance – Festival Internacional de Dança Contemporânea regressa em 2021

A 11ª edição do GUIdance – Festival Internacional de Dança Contemporânea já tem datas marcadas e parte de uma pergunta formulada pelo filósofo Gilles Deleuze em torno da obra de Espinosa, para tentar renovar a respiração de um festival que transporta consigo um percurso de 10 anos.

 

Sofia Dias & Vítor Roriz abrem esta 11ª edição do GUIdance com a estreia absoluta de Escala no Grande Auditório do CCVF, a 4 de fevereiro, às 19h30. Escala é uma peça que encerra o projeto Infiltração de Sofia Dias e Vítor Roriz no Teatro do Bairro Alto, coprodutor desta criação juntamente com A Oficina. Interpretada por Bruno Brandolino, Joahn Volmar e Luís Guerra, pretende abranger a ideia de corpo coletivo/social que tem permanecido à margem do trabalho predominantemente em dueto desta dupla. Uma mudança de perspetiva que permite aprofundar lógicas de composição, tomar decisões que escapam aos processos internos do intérprete-autor e expandir para outros corpos aquilo a que relutantemente chamam vocabulário.

 

Um novo dia (5 fevereiro) surge no festival e abrimo-nos para conhecer a Coreografia de João dos Santos Martins e interrogarmo-nos sobre como seria se uma dança falasse expressivamente para que se fizesse entender. Coreografia mostra-se às 19h30 no CCVF e foca-se na relação entre a coreografia enquanto suporte artístico não-comunicativo e a língua gestual como sistema de vocabulário baseado em gestos cujo fundamento é, precisamente, viabilizar a comunicação na esfera social. A coreografia, tal como imaginada por Raoul Feuillet no seu tratado, era redigida, primeiro, em papel, e só posteriormente interpretada e transposta para o corpo. João dos Santos Martins centra-se neste paradoxo, tentando articular processos de incorporação e apropriação em dança. Esta Coreografia resulta de uma coprodução do Centro Cultural Vila Flor, Alkantara, Associação Parasita e Materiais Diversos.

 

O GUIdance entra no fim de semana com um dia de dupla apresentação. Às 16h00 de sábado (6 fevereiro), Flora Détraz visita a Black Box do CIAJG para trazer até nós um espetáculo que acontece no interior de uma glote ou no fim perdido de uma gruta, em tempos ancestrais, na pré-história ou em tempos futuros, depois da história. Em Glottis, três figuras – pessoas que veem de olhos fechados, xamãs em hipnose, ou simples sonâmbulas – entregam-se a práticas misteriosas. Numa espécie de concerto dançado, perturbadoramente parecido a uma profecia fantástica, conversam com forças invisíveis. Mergulho onírico nos meandros da magia e do inconsciente, Glottis faz a apologia do oculto, nesta que é uma ampla coprodução internacional que percorre o espaço europeu desde A Oficina, em Guimarães, passando pelo Le Gymnase-CDCN, Scène nationale 61, Le Phare – Centre chorégraphique national du Havre Normandie – Direction Emmanuelle Vo-Dinh, Pact-Zollverein, December Dance/Danz in Brugge, Théâtre Cinéma de Choisy-Le-Roi, Espaces Pluriels, La Briqueterie CDCN, Theater Freiburg até à associação lisboeta Alkantara.

 

No mesmo dia, às 19h00, a coreógrafa Maguy Marin faz-nos regressar ao palco maior do CCVF para nos apresentar aquela que é já considerada uma obra-prima da história da dança contemporânea. Criada em 1981, a peça May B é baseada em textos e personagens de Samuel Beckett, que anseiam por quietude, mas não conseguem deixar de se mover. Fundadora de um discurso e momento raros por ter conseguido dar às palavras de Samuel Beckett o corpo que há tanto tempo procurava, May B foi uma conquista da coreógrafa francesa Maguy Marin face à resistência do dramaturgo irlandês em aceitar que as suas peças fossem adaptadas. Ele não só aprovou o projeto, como também a convidou para se encontrarem e discuti-lo, tornando May B numa criação única e intemporal, coproduzida pela Compagnie Maguy Marin e pela Maison des Arts et de la Culture de Créteil.

 

A primeira semana do festival fecha com tripla apresentação (a 7 de fevereiro às 16h00 e no dia 8 às 10h30 e às 15h00) pelas mãos dos mesmos protagonistas que a abriram, desta feita com um espetáculo especialmente dirigido às famílias com crianças maiores de 3 anos de idade. Com Sons Mentirosos Misteriosos, Sofia Dias & Vítor Roriz partem à procura da qualidade mágica que emerge da fricção entre som e imagem. Pode uma imagem enganar a nossa perceção sobre a proveniência de um som? Ou um som mentir-nos sobre a sua origem? Sons Mentirosos Misteriosos é um espetáculo que nos abre às possibilidades e que, tal como as crianças, não tem problemas em saltar de uma coisa para a outra num fluxo de livre associações. Num festival repleto de projetos alicerçados em coprodução, este não é exceção, contando com os coprodutores LU.CA Teatro Luís de Camões (Lisboa), Materiais Diversos (Cartaxo), Théâtre de la Ville (Paris), Teatro Nacional São João (Porto), A Oficina (Guimarães).

 

Após recuperado o fôlego, a mesma dupla de criadores assume o salto para a segunda semana do festival com Um gesto que não passa de uma ameaça, aqui apresentado numa remontagem do premiado e viajado espetáculo que em 2012 se apresentou em Guimarães, em plena Capital Europeia da Cultura. Como quando repetimos uma palavra até ela perder o seu significado, Sofia Dias & Vítor Roriz procuram neste trabalho (com coprodução Box Nova/CCB, O Espaço do Tempo, CDCE) situar-se nesse momento de perda e atribuição de sentido, de degeneração e transformação, indo ao encontro do modo caótico como a nossa mente percebe e associa acontecimentos. Assim, libertam-se de determinismos semânticos e sintáticos, dissimulam a hierarquia aparente entre a palavra, a voz, o movimento e o gesto e aspiram a novas constelações de sentido que reflitam a complexidade da experiência humana que tão ingenuamente se tenta conter em sistemas e modelos. Esta última aparição de Sofia Dias & Vítor Roriz nesta edição do GUIdance acontece na Black Box do CIAJG a 10 de fevereiro (19h30).

 

O dia 11 é marcado pela estreia absoluta da nova criação da coreógrafa Vera Mantero com a Cia. Dançando com a Diferença, que em 2021 celebra 20 anos de existência. “Modificar a imagem social das pessoas com deficiência” foi o objetivo principal do projeto-piloto que deu origem a esta iniciativa, sendo certo que a companhia tem contribuído, de diferentes formas, para esta mudança. Vera Mantero é a tradução viva dos pressupostos que continuam a nortear as ações da Dançando com a Diferença. Com uma carreira pontuada pela ousadia, pela inovação, pelo questionamento de padrões e convenções sociais vigentes, Vera Mantero é assim a coreógrafa convidada para este momento de celebração, que ajudará a companhia a prosseguir o seu caminho com esta coprodução com marca d’A Oficina apresentada às 19h30 no CCVF.

 

Hugo Calhim Cristovão & Joana von Mayer Trindade é a dupla responsável pela estreia absoluta de Fecundação e Alívio neste Chão Irredutível onde com Gozo me Insurjo a 12 de fevereiro (19h30) no CCVF. Esta nova criação – coproduzida pel’A Oficina, Theatro Circo, Asta-Festival ContraDança e Centro Cultural de Belém – interroga no ato e no resultado da (dita) dança o conceito de irredução de Bruno Latour, em “Irreductions”, e a função de gozo e volúpia na revolta e no transgressivo, destruidor de fronteiras e classificações abstratas/elitistas, que este implica. Da interrogação sobre o que não é, a existir, passível de ser reduzido, assimilado, aculturado, os coreógrafos pesquisaram o aspecto inssureccional no presente, a existir, de uma criação (dita) artística, capaz de fecundação de devir e novidade e de alívio de alienações consensuais.

 

A 11ª edição do GUIdance encerra com duas estreias nacionais de criadores internacionais no mesmo dia. Falamos de sábado, dia 13, data em que somos confrontados às 16h00 pela peça Warrior, de Anne-Mareike Hess, coreógrafa e performer sediada no Luxemburgo e em Berlim. Seduzida pela crença de que um homem forte e feroz é tudo o que precisamos para salvar o mundo, Anne-Mareike Hess embarca numa jornada a solo para nos tornarmos guerreiros. Imbuída numa paisagem sonora distorcida, e ao mesmo tempo suave, emerge uma imagem profundamente poética da fragilidade humana e da rutura interior. Um corpo dançante que trava uma luta perpétua com as suas emoções. Depois de Synchronization in process (2016) e Give me a reason to feel (2017), Warrior (2018) é a terceira peça no contexto da pesquisa da coreógrafa sobre o corpo emocional. Warrior é uma coprodução Centre Culturel de Rencontre Abbaye de Neumünster, Weld, Skogen.

 

O derradeiro espetáculo do festival oferece-nos um reencontro e um desfecho protagonizado pela consagrada companhia belga Peeping Tom. Reencontro, pela nova visita desta companhia que nutre já uma grande afinidade por este palco que várias vezes pisou perante plateias esgotadas. Desfecho, lembrando que depois de Vader (Pai) e Moeder (Mãe) – espetáculos que também subiram ao palco do CCVF –, Kind (filho) é a terceira parte da trilogia familiar desta internacionalmente aplaudida companhia. Nesta criação, apresentada às 19h00, Gabriela Carrizo e Franck Chartier exploram diferentes fontes de psicose do ponto de vista da criança. A peça aborda temas como a violência, o paradoxo entre a realidade e a ficção, o outro, o trauma, na tentativa de comprovar que, em grande medida, o meio ambiente em que crescemos pode determinar a pessoa em que nos tornamos. Numa dualidade entre reflexo e resistência, Kind questiona os aspetos perversos da formação da identidade.

 

A propósito da configuração desta edição, Rui Torrinha, responsável pela programação do GUIdance, partilha que “se partimos da inquietante questão levantada por Deleuze, a ele entregamos, justamente diga-se, uma das muitas possibilidades de resposta: “A estrutura de um corpo é a composição da sua relação. O que pode um corpo é a natureza e os limites do seu poder de ser afetado.” O próprio deixa-nos ainda a intenção de “Que essa afetação seja, pois, o aumento da potência dos sentidos.”

 

11ª edição do festival acontece de 4 a 13 de fevereiro de 2021, em Guimarães, apresentando 10 obras, a maioria em estreia, com a dupla Sofia Dias & Vítor Roriz como coreógrafos em destaque

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