GUIdance – Festival Internacional de Dança Contemporânea está de regresso…

De 3 a 12 de fevereiro, a 11ª edição do GUIdance – Festival Internacional de Dança Contemporânea apresenta em Guimarães 10 criações, incluindo 4 coproduções com envolvimento d’A Oficina e 2 estreias nacionais

 

Em momentos de forte transição civilizacional, agarramo-nos à história para demonstrar que a configuração do mundo, edificada pelo ser humano a partir do seu ímpeto insaciável de criar, tem qualquer coisa de audacioso, de misterioso, processo esse que também remete para a escuta da voz mais funda do ser: a do corpo. Nesse encontro-cruzamento com a história do mundo e com a de cada um de nós, somos impelidos a deslizar à superfície, permitindo que as matérias de retenção do corpo – imagens, sensações, posturas, etc – expressem de forma consciente e inconsciente, o espírito do tempo do qual somos produto.

 

Este nosso tempo é pois uma torrente de manifestações que ataca os corpos e neles cria retenções contra a sua própria vontade, gerando nexos de relações que por vezes nos fogem à compreensão. E é nesse processo de relação com a retenção indesejada dos corpos que o GUIdance deste ano se desenha, sacudindo nexos e alargando fronteiras sensoriais.

 

“Em tremenda simplicidade, podemos dizer que este é o ano da mundança*. Isto é, precisamos dançar com mais força para mudar o mundo. Com mais intenção, com mais despreocupação, com mais beleza, com mais caos… sobretudo com a vontade de potência que reconhecemos em cada corpo.”, partilha o programador do festival, Rui Torrinha. Acrescentando ainda que “A mundança (*palavra inexistente, surgida da ousadia de fundir a palavra “mundo” com a palavra “dança”, para gerar uma ação intencional: a mudança do mundo pela dança) é sempre mais necessária nos momentos de forte transição civilizacional, como o que agora vivemos. Mudar o mundo a dançar sempre foi uma das utopias do GUIdance.”

 

Sofia Dias & Vítor Roriz protagonizam o arranque desta mundança e da 11ª edição do GUIdance com a sua “Escala” no Grande Auditório do CCVF, às 21h30 do dia 3 de fevereiro. “Escala” é uma peça de grupo que amplia horizontes destes dois criadores, que são acompanhados na interpretação por Alice Bachy, Bruno Brandolino, Luís Guerra e Natacha Campos. Esta que é uma coprodução d’A Oficina pretende abranger a ideia de corpo coletivo/social que tem permanecido à margem do trabalho predominantemente em dueto desta dupla.

 

A mesma hora do segundo dia do festival (4 de fevereiro) dá-nos a conhecer “TANZANWEISUNGEN (it won’t be like this forever)” do criador germânico Moritz Ostruschnjak, que aqui nos apresenta um solo pleno de referências autorreflexivas e irónicas que desafiam qualquer definição específica. Em “TANZANWEISUNGEN” (em português, “Instruções de dança”), Ostruschnjak mantém-se fiel ao estilo eclético das suas produções mais recentes e permite que o seu solista – o admirado bailarino Daniel Conant – nos leve por um cânone extremamente diverso e exigente de movimento, assumindo, em rápida sucessão, poses de resistência, de combate e vitória, de masculinidade estilizada, do ballet clássico, das dança de salão e do desporto, num pulsar alucinante de elementos divergentes que se exageram, ironizam e contradizem, como que obedecendo a uma instrução obrigatória que nos leva a um abismo.

 

Entramos no primeiro fim de semana deste GUIdance preparados para percorrer vários palcos e sermos contaminados por experiências distintas. Logo às 18h30 de sábado (5 de fevereiro), a criadora e intérprete Maria Fonseca apresenta-nos a peça “Sahasrara”, refletindo em palco, na companhia de Angelica Salvi & Maria Fonseca, sobre o que tem sido viver em tempos de pandemia. Numa época sem tempo, o tempo chegou sem previsão de fim. Caem as máscaras, a natureza engole-as faminta de verdade.  E deparamo-nos com o desconhecido, com a nossa própria morte mas também com a morte de um futuro que julgámos estar sob controlo.

 

A noite de sábado abre portas para “Kind”, oferecendo-nos um reencontro e um desfecho protagonizado pela consagrada companhia belga Peeping Tom. Reencontro, pela nova visita desta companhia que nutre já uma grande afinidade por este palco que várias vezes pisou perante plateias esgotadas. Desfecho, lembrando que depois de “Vader” (Pai) e “Moeder” (Mãe) – espetáculos que também subiram ao palco do CCVF –, “Kind” (filho) é a terceira parte da trilogia familiar desta internacionalmente aplaudida companhia. Nesta criação, apresentada às 21h30, Gabriela Carrizo e Franck Chartier exploram diferentes fontes de psicose do ponto de vista da criança. A peça aborda temas como a violência, o paradoxo entre a realidade e a ficção, o outro, o trauma, na tentativa de comprovar que, em grande medida, o meio ambiente em que crescemos pode determinar a pessoa em que nos tornamos. Numa dualidade entre reflexo e resistência, Kind questiona os aspetos perversos da formação da identidade.

 

Esta edição segue caminho pelas mãos dos mesmos protagonistas que a abriram, neste caso com uma tripla apresentação dedicada especialmente às famílias com crianças maiores de 3 anos de idade, fechando a primeira semana do festival a 6 de fevereiro (domingo) às 16h00 e no dia 7 (segunda-feira) às 10h30 e às 15h00. Com “Sons Mentirosos Misteriosos”, outra das coproduções d’A Oficina apresentadas no festival, Sofia Dias & Vítor Roriz partem à procura da qualidade mágica que emerge da fricção entre som e imagem. E questionam: “Pode uma imagem enganar a nossa perceção sobre a proveniência de um som? Ou um som mentir-nos sobre a sua origem?”

 

Depois de um pequeno intervalo para recuperar o fôlego, a mesma dupla de criadores assume o salto para a segunda semana do festival com “Um gesto que não passa de uma ameaça“, aqui apresentado numa remontagem do premiado e viajado espetáculo que em 2012 se apresentou em Guimarães, em plena Capital Europeia da Cultura. Como quando repetimos uma palavra até ela perder o seu significado, Sofia Dias & Vítor Roriz procuram neste trabalho situar-se nesse momento de perda e atribuição de sentido, de degeneração e transformação, indo ao encontro do modo caótico como a nossa mente percebe e associa acontecimentos. Assim, libertam-se de determinismos semânticos e sintáticos, dissimulam a hierarquia aparente entre a palavra, a voz, o movimento e o gesto e aspiram a novas constelações de sentido que reflitam a complexidade da experiência humana que tão ingenuamente se tenta conter em sistemas e modelos. Esta última aparição de Sofia Dias & Vítor Roriz nesta edição do GUIdance acontece 9 de fevereiro pelas 21h30.

O roteiro proposto pela viagem desta edição conduz-nos para “O Susto é um Mundo”, peça de uma das mais reconhecidas criadoras nacionais da dança contemporânea, Vera Mantero, que aqui assume igualmente a interpretação e cocriação com Henrique Furtado Vieira, Paulo Quedas e Teresa Silva.

Apresentada no dia 10 (21h30), esta coprodução d’A Oficina explora alguns antídotos para os sustos do nosso presente. Vera Mantero e toda a sua equipa de criação inspiraram-se no psicanalista Carl Jung, no antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e no professor de ética Jonathan Haidt para explorar tanto a ideia de contradição como a possibilidade da relação e da junção entre opostos, enquanto mecanismos de diálogo e de fricção. O resultado é uma peça que nos coloca perante o inconsciente, uma quase entrada no mundo dos sonhos, através de uma linguagem simbólica e simultaneamente quotidiana, ensaiando uma reconexão com a natureza e um combate a todos os sustos do mundo.

 

Aproximamo-nos do último fim de semana com “Cabraqimera” de Catarina Miranda a atravessar-se no nosso caminho no dia 11, sexta-feira, pelas 21h30. Peça de dança para um quarteto em patins, “Cabraqimera” aborda uma contemporaneidade simultaneamente física e tecnológica, onde um sistema de organização espacial, baseado em desportos de velocidade, estabelece um conjunto de códigos de ocupação, interceções e encontros. A dimensão plástica e hipnótica do gesto é aqui evidenciada por um sistema lumínico que revela espaços negativos e positivos, projetando o corpo para uma alteridade extrema e abrindo o terreno para a ficção.

 

O dia final desta edição põe-nos em contacto com duas criações com formatos bem distintos, desde uma performance a solo durante a tarde para uma atuação conjunta de 10 intérpretes à noite. Começamos às 18h30 com “Body Monologue” da jovem coreógrafa grega Anastasia Valsamaki, uma peça interpretada pela bailarina Gavriela Antonopoulou, recuperando uma questão não respondida e evidente em palco: “o que pode um corpo fazer?”. Valsamaki centra-se na estrutura do monólogo, mas em vez de o verbalizar com significados, repele-os ao regressar ao silêncio pré-linguístico e eloquente do corpo que se expressa à medida que se move. Um silêncio feito de gestos, pausas, formas maleáveis e estados corporais desconhecidos que mobilizam o nosso olhar. Uma conversa oculta que substitui a rigidez dos significados verbais pela fluidez dos significados que o corpo consegue “falar” através da dança.

 

O derradeiro espetáculo do festival oferece-nos mais uma experiência de origem belga com o mutifacetado coreógrafo (e ainda bailarino, realizador e fotógrafo) Wim Vandekeybus. Em “Hands do not touch your precious Me”, Vandekeybus tece um conto mítico de confronto e transformação, luz e escuridão, morte e renascimento. Para a criação deste universo, o coreógrafo convoca, pela primeira vez, o performer e artista visual Olivier de Sagazan, cujo trabalho assenta na transfiguração do corpo e do rosto. A exploração dos limites humanos de Vandekeybus e Sagazan encontra eco na entrega corpórea de oito magníficos bailarinos e na textura física e material da música eletroacústica de Charo Calvo. Juntos, apresentam-nos um submundo inspirado no mito da deusa suméria Inanna, povoado por esculturas carnais vivas, que pairam entre o utópico e o horrível, o poderoso e o frágil.

 

As sempre essenciais atividades paralelas deste festival vivem nesta 11ª edição através de conversas pós-espetáculo (Talks) com diversos criadores como Sofia Dias & Vítor Roriz, Moritz Ostruschnjak e Anastasia Valsamaki – sendo estes dois últimos fruto da seleção da rede europeia Aerowaves da qual A Oficina faz parte –, constituindo assim uma via aberta com o público para um momento de proximidade descontraído e interativo; Masterclasses orientadas pelas companhias internacionais Peeping Tom e Ultima Vez (de Wim Vandekeybus), sendo este o retomar de outra das importantes dimensões do festival, a formação. Sobretudo dirigidas para profissionais e estudantes de dança, com vista ao desenvolvimento de competências – o qual tem sido parte do investimento e dos objetivos do GUIdance são limitadas a um máximo de 20 participantes.

 

3 fevereiro, 21h30 | CCVF / Grande Auditório

Escala

Sofia Dias & Vítor Roriz

 

4 fevereiro, 21h30 | Fábrica ASA / Black Box

TANZANWEISUNGEN (it won’t be like this forever)

Moritz Ostruschnjak

 

5 fevereiro, 18h30 | CIAJG / Black Box

SAHASRARA 

Maria Fonseca

 

5 fevereiro, 21h30 | CCVF / Grande Auditório

Kind

Peeping Tom

 

6 fevereiro, 16h00 | CCVF / Pequeno Auditório

7 fevereiro, 10h30 e 15h00 | CCVF / Pequeno Auditório

Sons Mentirosos Misteriosos

Sofia Dias & Vítor Roriz

EMC

 

9 fevereiro, 21h30 | CCVF / Pequeno Auditório

Um gesto que não passa de uma ameaça 

Sofia Dias & Vítor Roriz

 

10 fevereiro, 21h30 | CCVF / Grande Auditório

O Susto é um Mundo

Vera Mantero

 

11 fevereiro, 21h30 | Fábrica ASA / Black Box

Cabraqimera

Catarina Miranda

 

12 fevereiro, 18h30 | CIAJG / Black Box

Body Monologue

Anastasia Valsamaki

Estreia nacional

 

12 fevereiro, 21h30 | CCVF / Grande Auditório

Hands do not touch your precious Me 

Wim Vandekeybus

Estreia nacional

 

Talks: conversas pós-espetáculo 

 

3 fevereiro | CCVF / Grande Auditório

Após o espetáculo “Escala”

Talk com Sofia Dias & Vítor Roriz

 

4 fevereiro | Fábrica ASA / Black Box

Após o espetáculo “TANZANWEISUNGEN (it won’t be like this forever)”

Talk com Moritz Ostruschnjak

 

12 fevereiro | CIAJG / Black Box

Após o espetáculo “Body Monologue”

Talk com Anastasia Valsamaki

 

 

Masterclasses

 

4 fevereiro, 18h00-20h00 | CCVF

Masterclass com a companhia Peeping Tom

 

11 fevereiro, 18h00-20h00 | CCVF

Masterclass com a companhia Ultima Vez, de Wim Vandekeybus

 

Debates

 

5 fevereiro, 16h00 | CIAJG / Sala de Conferências

Debate “Desfiguração Transformação”

Parte I

Moderação Cláudia Galhós

 

12 fevereiro, 16h00 | CIAJG / Sala de Conferências

Debate “Desfiguração Transformação”

Parte II

Moderação Cláudia Galhós

 

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