GUIdance 2023… uma trans_formação celebrada em 11 espetáculos de 2 a 11 fevereiro

Aproxima-se uma trans_formação durante este inverno, mais precisamente de 2 a 11 de fevereiro, com a dança e a própria natureza a virem ao de cima numa demonstração orientada pela luz interna do movimento e pelo contraste dos corpos singulares, rumo à felicidade que nos aguarda. Lugar de especulação sobre o impossível, o GUIdance lança em 2023 uma série de probabilidades inesperadas, neste lugar de encontro – cuja força criadora e misteriosa nos congrega desde 2011 a fazer parte da sua existência – que nesta edição do festival terá como protagonistas criadores portugueses e estrangeiros como Gaya de Medeiros, François Chaignaud, Tânia Carvalho, Jacopo Jenna, Jesús Rubio Gamo, Marco da Silva Ferreira, Alfredo Martins, Rui Horta, Cassiel Gaube, Vânia Doutel Vaz, Akram Khan, com destaque para a ligação da companhia Dançando com a Diferença a três das obras a apresentar.

 

Nesta edição, a trans_formação em curso vai colocar-nos novos problemas e sugerir modos (mais) sensíveis de encarar o resgate da felicidade que nos foge. Isto, ao longo de onze espetáculos – entre estes, quatro estreias nacionais, duas coproduções e três projetos selecionados para a Aerowaves Twenty22, três conversas pós-espetáculo, duas masterclasses, dois debates, visitas de embaixadores da dança a quatro escolas de Guimarães, uma exposição, uma oficina e ainda a exibição do registo integral de um espetáculo.

 

Rui Torrinha, diretor artístico do GUIdance, ressalva que é verdade que “o mundo mudou muito desde a primeira edição do GUIdance. É pois expectável que a pele formada ao longo deste grandioso processo nos exija agora outros arrepios e tribulações sensoriais. E até talvez o ressignificar de alguns conceitos.”

O próprio acrescenta que “sendo um lugar de especulação sobre o impossível, o GUIdance é ao mesmo tempo um lugar de trans_missão e de trans_formação do ser. Uma espécie de expressão que não compreendemos à partida, mas cuja força criadora e misteriosa nos congrega a fazer parte da sua existência.” E é nesse mesmo âmbito que “Esse sentido dos corpos ‘outros’ vai estar na linha da frente desta edição. Esses que fogem à norma seja ela qual for, porque a sua natureza está em permanentemente processo de super_ação. É assim a Dançando com a Diferença, que numa colaboração com três distintxs coreógrafxs ampliará o nosso olhar sobre a natureza humana. E com muita beleza cumprirá o destaque merecido nesta edição.”

 

E desta forma a 12ª do festival arranca a 2 de fevereiro próximo, com uma celebração onde um coletivo de pessoas trans experimenta um ritual de afetos e fábulas. “BAqUE(na foto), de Gaya de Medeiros, é um espetáculo-concerto coproduzido por A Oficina / Centro Cultural Vila Flor que procura responder à pergunta ‘e se o meu corpo não viesse antes de mim, eu falaria sobre o quê?’, propondo (re)narrar o mundo e as relações que nos conectam com a existência: falar de tudo o que nos vibra na vida e de tudo o que nos faz parar de vibrar nela.

 

O dia seguinte, 3 de fevereiro, traz uma noite com dois espetáculo em que a companhia Dançando com a Diferença se junta aos coreógrafos François Chaignaud e Tânia Carvalho para apresentar as peças “Blasons” e “Doesdicon”. Em “Blasons” (Brasões), de François Chaignaud, os artistas da Dançando com a Diferença comprometem-se a recuperar a dinâmica do brasão e a revertê-la. Os bailarinos não são mais os corpos estranhos, magníficos ou curiosos que passamos a observar e esquadrinhar – eles oferecem-se para nos mostrar a sua maneira de brasonar o mundo. Em “Doesdicon” (um anagrama da palavra ‘escondido’), peça concebida por Tânia Carvalho, os movimentos fixos são libertados. Criada em 2017, agora em remontagem no GUIdance, “Doesdicon” é uma criação enigmática, inspirada no corpo dos intérpretes, que procura mostrar o que muitas vezes está escondido.

 

Avançando para o primeiro de dois fins de semana atravessados pelo festival, a tarde e a noite de sábado 4 fevereiro, vestem-se com três espetáculos. Primeiramente com dois projetos selecionados para a AEROWAVES Twenty22: às 18h30, o coreógrafo, performer e cineasta italiano Jacopo Jenna apresenta “Some Choreographies” em estreia nacional. Um diálogo entre a bailarina Ramona Caia e uma série de vídeos projetados (com a colaboração de Roberto Fassone) de diferentes estilos de dança e sequências de movimentos. A coreografia desdobra-se num processo mimético de uma multiplicidade de elementos retirados da história da dança e da performance contada pelo cinema e a internet; pelas 21h30, abre-se espaço para mais uma estreia nacional, desta feita trazida pelo coreógrafo espanhol Jesús Rubio Gamo. Dramático e extraordinariamente visceral, “Gran Bolero” traz uma nova dimensão da famosa composição de Ravel. Nesta coreografia, seis bailarinos de Madrid e seis bailarinos de Barcelona juntam-se para revisitar a partitura composta por Maurice Ravel em 1928 como se tratasse de uma transcrição orquestral de uma dança tradicional espanhola. Pouco depois, esta noite termina com “Silent Disco” em palco (23h30), num espetáculo imersivo que acontece em discotecas, explorando o potencial da tecnologia das festas silent disco. Nesta peça de Alfredo Martins, o público forma uma comunidade temporária, guiada através de auscultadores pelo espaço vazio da discoteca, num trabalho que procura especular sobre a natureza do clubbing como um ato de resistência, capaz de reconfigurar formas de reflexividade, afetividade e corporalidade.

 

Um salto enérgico na semana do festival para nos depararmos com a “Carcaça” de Marco da Silva Ferreira na noite do dia 8 de fevereiro. O coreógrafo e bailarino português usa a dança como ferramenta para pesquisar sobre comunidade, construção de identidade coletiva, memória e cristalização cultural, e esta coreografia – que parte inicialmente de footwork saltado como motor agitador e acelerador – desenha progressivamente um corpo vibrante, rebelde e carnavalesco, a bordo de um elenco de 10 performers que formam um coletivo que pesquisa sobre a sua identidade coletiva num fluxo físico, intuitivo e despretensioso do corpo, da dança e de construção cultural.

 

Beautiful People”, que surge logo no dia seguinte, 9 fevereiro, não esconde a deficiência, nem a embrulha em sentimentos de piedade. A obra de Rui Horta com a companhia Dançando com a Diferença torna mais visível a brutalidade e a injustiça com que a sociedade trata a pessoa com deficiência. Alguns gestos parecerão chocantes, como o corpo que é cruelmente lançado fora da cadeira de rodas.

 

A semana prossegue às 21h30 de sexta-feira 10 fevereiro, com a estreia nacional de mais um dos projetos selecionados para a Aerowaves Twenty22 – “Soirée d’études”, uma peça que nasceu da paixão do coreógrafo e bailarino belga Cassiel Gaube pelo vocabulário da house dance, uma dança de clube na qual explora as potenciais interseções com as abordagens composicionais da dança contemporânea, desconstruindo o léxico da house dance para melhor brincar com ele. Do seu groove característico às suas várias formas de footwork, os diferentes aspetos deste estilo são aqui sucessivamente examinados, trazidos à luz e honrados.

 

O derradeiro dia desta 12ª edição do GUIdance, 11 fevereiro, presenteia o público com dois espetáculos que prometem despertar-nos sobremaneira os sentidos com duas imponentes doses sensoriais. A criadora Vânia Doutel Vaz surpreende às 18h30 com “O Elefante no Meio da Sala”, outra coprodução A Oficina / Centro Cultural Vila Flor. Com inspiração na expressão ‘há um elefante no meio da sala’, que sugere a ideia de que na presença de um elemento óbvio este possa ser ignorado, este elefante faz-nos refletir sobre o que há que não ousamos dizer ou com o qual somos incapazes de lidar. E sendo esse elefante fragmentado e plural, entre tanta gente, quantas possibilidades poderão surgir. Ver, sentir, ignorar, desviar e então ver outra coisa, tocar outra coisa, dançar por distintas matérias geram aqui uma atenção e prática em direção a alternativas acerca do que ali poderá estar.

 

Para encerrar, surge em cena aquela que nas últimas duas décadas se afirmou como uma das companhias de dança mais inovadoras do mundo – Akram Khan Company – para estrear “Jungle Book reimagined” em Portugal. Espetáculo dirigido e coreografado por Akram Khan, reinventa a viagem de Mogli – a partir do clássico “O Livro da Selva”, de Rudyard Kipling – através dos olhos de um refugiado climático, fruto de, num futuro próximo, uma família ser separada ao fugir da sua terra natal devastada pelo impacto das mudanças climáticas. Com banda sonora original, dez bailarinas/os internacionais e recursos visuais de última geração capazes de nos fazer mergulhar num dos mitos da atualidade, “Jungle Book reimagined” toca na necessidade intrínseca de nos relacionarmos uns com os outros e a importância de nos conectarmos e respeitarmos a natureza.

 

As habitualmente essenciais atividades paralelas surgem reforçadas nesta edição com diversos momentos que ao longo do festival interligam público e artistas para o surgimento de novas afinidades artísticas e humanas. Algo que acontece nas conversas pós-espetáculo com Henrique Amoedo, Marco da Silva Ferreira, Akram Khan Company, nas masterclasses com esta mesma companhia do Reino Unido e com Jesús Rubio Gamo, nos debates com o mote “Natureza, TRANSformação e outras práticas sensíveis: a felicidade que nos aguarda”, na extensa iniciativa Embaixadores da Dança que levam Gaya de Medeiros e Henrique Amoedo até às escolas e no sentido inverso promovem o contacto do público escolar com os espetáculos, e ainda com a exposição “Dança” –  ilustrações realizadas para o livro com o mesmo título, escrito por Inês Fonseca Santos e ilustrado por André Letria – e uma oficina, ambas a cargo da editora Pato Lógico, e também a exibição do registo integral do espetáculo “Endless” (com realização de Eva Ângelo) acompanhada por uma conversa com Henrique Amoedo (Dançando com a Diferença).

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