Galeria Foco apresenta ALLEGRIA… exposição de Renzo Marasca

Carta para Giuseppe Ungaretti

Allegria

 

Escrevo-lhe esta carta porque Allegria, inspirada no seu livro de poemas de 1936, é o título que quis dar a estas obras, onde o traço tem o valor de um pensamento. Gravado na tela e no papel na sintaxe de consciência, que tem a ver com a memória e com o ser como “fluxo de inúmeros contrastes de enxertos”, assim como você escreveu nos versos dedicados a Itália (1 de Outubro de 1916).

Com a experiência da guerra e sem ceder à fácil ideia do herói, você sentiu a necessidade de reaproximar-se ao Homem e à exigência de entrar nos abismos para encontrar, onde o lugar físico desaparece, aquela palavra carregada que pudesse coincidir com a complexidade do verso.

Afinou a palavra até encontrar a sua beleza e na escuridão de uma noite de Giugno, o nascer do sol. Assim, também eu raspei o preto, tirei a matéria e pacientemente esperei que a imagem obtivesse forma. Tracei uma marca em papel fino sentindo a sua fragilidade, enquanto a mão, movendo-se no espaço pintado, trouxe consigo toda a memória de um gesto.

Você ligou a sua existência à poesia e usou-a como valor universal, fez-me ver que é sempre um confronto entre a memória e um sinal que explica as coisas, e deixei que a minha mão seguisse aquele impulso que existe em mim, e fora.

Allegria, então. A exultação que, num momento, invade o espaço para deixar a memória indelével.

Sim, é verdade, existe um longo período entre estas minhas palavras e o seu trabalho. Mas, mesmo em virtude disso permito-me de escrevê-las, para que a memória coincida com a intenção e o destino com intuição.

Então viu no outro o irmão disposto, como você, para desafiar o destino em nome de algo melhor.

Talvez com tudo isto perdeu-se a memoria, mas as recordações permanecem em mim e os sinais, embora frágeis e desgastados, deixaram um traço nestas imagens, que não descrevem, que nascem como um sedimento de experiências e que a mão regista.

Agora, a partir desta cidade que olha mais para o mar do que para a terra, permito-me de escrever estas palavras. Temo e sinto embaraço, porque a sua figura atravessou a vivência até chegar ao valor das ideais.

Isto roubei-o de si, e utilizo-o como penhor à memória, tentando dar corpo a algo que a consciência me leva a fazer, que a minha mão traçou e o olho viu.

Renzo Marasca, Lisboa


Inauguração Quinta-Feira, 21 de Junho de 2018, a partir das 19:00

 

21 de Junho 2018 | 12 de Julho 2018

Terça feira a Sábado, das 14h00 às 20h00

Partilha