“Eu uso termotebe e o meu pai também”

No próximo dia 20 de abril, o autor e encenador Ricardo Correia leva ao Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, o seu mais recente espetáculo, “Eu uso termotebe e o meu pai também”, uma peça que toca na ferida e fala da história do operariado para não deixar esquecer a crise no setor fabril. “Eu uso termotebe e o meu pai também” parte da recolha de testemunhos em comunidades de operários fabris de várias cidades do Vale do Ave – entre elas Guimarães – transfiguradas pelas ruínas dessa indústria e que aguardam ainda um novo El Dorado. Ao desenhar um arco sobre a história e as contradições do trabalho, reflete-se sobre a condição de operário e a sua emancipação até aos dias de hoje.

Eu uso termotebe e o meu pai também” parte de uma pesquisa sobre os processos de transmissão da memória relativa ao trabalho em Portugal. Este espetáculo, que Ricardo Correia escreve e dirige, é uma investigação sobre a influência da mecanização industrial no pensamento de gerações de operários e patrões. Ao desenhar um arco sobre a história e contradições do trabalho, reflete a condição de operário e a sua emancipação, bem como as mutações da sua identidade ao longo de várias gerações, desde os remotos operários fabris até aos novos operários do século XXI. Pretende refletir sobre a transformação do trabalho, o seu impacto e respetivas consequências na contemporaneidade.

A construção da peça é feita a partir da recolha de testemunhos em comunidades de operários de várias cidades portuguesas transfiguradas pelas ruínas dessa indústria e que aguardam ainda um novo El Dorado. Para título, o encenador evoca a termotebe, a mítica camisola interior dos anos 80, produzida em Barcelos, numa fábrica há muito encerrada. É precisamente na zona do Vale do Ave que sempre existiu grande tradição no setor têxtil, área em que ao longo de gerações as famílias trabalharam, sendo este o sustento de grande parte dos agregados familiares da região. Entretanto, a crise chega e arrasa com a indústria. Pequenas e grandes fábricas fecharam, deixando ao desalento centenas de famílias que viram a vida ruir diante dos olhos. A implosão de uma indústria que se achava sólida e atirou para o desespero famílias inteiras.

Para o encenador, é preciso não deixar esquecer este assunto porque, apesar de já não passarem manifestações na TV nem de se encherem as parangonas dos jornais, esta crise deixou marcas profundas na sociedade que é permanentemente relembrada do que aconteceu. “De certa forma essa realidade continua viva, porque as pessoas vivem ao lado das fábricas que faliram, vivem à volta desses monstros abandonados e quase não fazem o luto disso, porque é o quotidiano”, atenta Ricardo Correia. É preciso manter vivo na memória os despedimentos coletivos, as marcas que ficaram no corpo de quem passou horas a fio a trabalhar, os salários precários, os cadeados que fecharam fábricas em dias de greve que antecederam a estucada final, sonhos perdidos, o choro e o silêncio de quem viu uma vida de trabalho desaparecer num ápice. “E de alguma forma a vida ali ficou suspensa à volta de algo que já não existe”, sublinha Ricardo Correia.

Eu uso termotebe e o meu pai também” é uma coprodução do Teatro Nacional Dona Maria II (Lisboa), Teatro Académico de Gil Vicente (Coimbra), Teatro Aveirense (Aveiro) e do Centro Cultural Vila Flor (Guimarães), que também prestou apoio à residência artística, juntando Beatriz Wellenkamp, Celso Pedro, Hugo Inácio, Joana Pupo e Sara Jobard no seu elenco de atores.

No final do espetáculo, o autor Ricardo Correia junta-se ao público no foyer do Pequeno Auditório do CCVF para uma conversa em torno da peça.

photos: Carlos Gomes

 

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