Stereossauro acaba de editar o seu novo disco, “Desghosts & Arrayolos”. João Mineiro faz um retrato deste regresso aguardado depois da edição e do sucesso de “Bairro da Ponte”
Ainda Bairro da Ponte ia no adro, conquistando o público e oferecendo matéria para longos pergaminhos na crítica, e já Stereossauro se empenhava em desbravar novos caminhos, diálogos e desafios, conjurando as ideias que dariam origem ao seu novo “Desghosts & Arrayolos”.
Nada que espante, aliás, se olharmos com atenção para a caminhada deste inquieto, eclético e criativo DJ, turntablist, produtor, autor e compositor que conquista as pistas de dança e as competições de Dj Battle, com o mesmo engenho com que homenageia a nossa memória musical, reinterpretando-a, oferendo-lhe novos públicos e inscrevendo-a no futuro.
“Desghosts & Arrayolos” é mais uma prova de força de um artista multifacetado que se mantém empenhado em abrir novas possibilidades para a sua música. Neste trabalho, sucessor, mas bastante distinto de Bairro da Ponte, o produtor abraçou dois desafios fundamentais. Primeiro, compôs um álbum praticamente sem recorrer a samples (as exceções são os temas “A noite”, que inclui sample de “Lisboa Menina e Moça”, e o tema “Mais que tudo”, que contém sample de “Destino”), uma opção que acentua a versatilidade de um trabalho de composição e produção minuciosos, através do qual percorre múltiplas linguagens sonoras.
Depois, porque neste álbum procurou acrescentar novas e refrescantes sonoridades à sua identidade musical, trabalhando registos de natureza pop, festiva, de alegria e celebração, sem ao mesmo tempo prescindir do ambiente mais introspetivo, contemplativo e melancólico, que igualmente define o seu percurso artístico.
Destes desafios nasceu um álbum duplo, que começou a ser pensado em 2019, mas cujo processo de produção e gravação acabou por atravessar todo o período da pandemia. Sem que se pudesse antecipar, “Desghosts & Arrayolos” acabou também por ser um reflexo do próprio tempo em que foi criado. Nas palavras do músico, o álbum “acaba por refletir o que muita gente passou com a pandemia, marcada por altos e baixos, alegrias e tristezas, em que ninguém sabia muito bem como reagir. Numa semana estávamos cheios de esperança de que tudo ia passar rápido, na seguinte já estávamos todos down, com tudo parado”.
Entre os desafios artísticos que impôs a si mesmo, e a incerteza que a pandemia nos trouxe, Stereossauro acabou por acrescentar mais um capítulo à sua empreitada artística, desafiando um conjunto de novos cúmplices para a sua jornada. Percorrendo múltiplos trilhos sonoros, do hip hop à soul, do r&b ao fado, da pop à eletrónica e à música popular, o produtor teve a destreza de construir 14 temas minuciosamente moldados ao universo sonoro e poético dos seus múltiplos intérpretes: New Max, xtinto, Aurea, Manel Cruz, Marisa Liz, Carlão, Blaya, Mc Zuka, Sara Correia, Ricardo Ribeiro, Selma Uamusse, João Pedro Pais, Maria Emília, Ana Bacalhau e Mitó.
O resultado é um álbum em que se abraça o amor e a dor, a celebração e a intimidade, os suores e a profundidade poética. Um trabalho eclético de um produtor que é um amante incondicional da música portuguesa, nas suas mais variadas expressões, às quais recorre e das quais se torna cúmplice, sem nunca perder a sua identidade. Isto porque Stereossauro é, sobretudo, um dedicado curador da nossa memória musical tanto como um explorador nato das suas possibilidades futuras. “Desghosts & Arrayolos” é mais uma prova do seu arrojo.
João Mineiro
“Desghosts & Arrayolos” vai ser apresentado ao vivo dia 6 de novembro no Capitólio, em Lisboa, com vários convidados. A primeira parte está a cargo do seu parceiro DJ Ride.
