Deborah Colker regressa a Portugal com espetáculo baseado em poema de João Cabral de Melo Neto

Uma das mais importantes diretoras e coreógrafas do mundo, Deborah Colker traz a sua companhia para três apresentações no Teatro Tivoli em novembro. Nos dias 21, 22 e 23, Colker mostra “Cão Sem Plumas”, reconhecida pelo renomado Prix Benois de la Danse na categoria coreografia. O espetáculo é baseado no poema homónimo de João Cabral de Melo Neto (1920-1999). O poeta tem profundas ligações com Portugal, já que viveu por cinco anos no Porto (1982-1987) como diplomata.

 

O espetáculo é sobre coisas inconcebíveis, que não deveriam ser permitidas. É contra a ignorância humana. Destruir a natureza, as crianças, o que é cheio de vida”, diz Colker, que completa: “Cabem a elegância do clássico, a lama das raízes e o olhar contemporâneo. O nome disso é João Cabral”, explica a diretora que, entre tantos espetáculos aclamados pela crítica e público com sua Companhia, foi ainda a primeira mulher a criar e dirigir um espetáculo para o Cirque du Soleil: Ovo, grande sucesso em Lisboa.

 

Cão Sem Plumas” já foi apresentado em mais de 50 cidades brasileiras, tendo um público de mais de 400 mil pessoas, e, internacionalmente, nos Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha e Uruguai.

Publicado em 1950, o poema de João Cabral de Melo Neto acompanha o percurso do Rio Capibaribe, que corta boa parte do estado de Pernambuco. Mostra a pobreza da população ribeirinha, o descaso das elites, a vida no mangue, de “força invencível e anônima”. A imagem do “cão sem plumas” serve para o rio e para as pessoas que vivem no seu entorno.

 

No espetáculo, dança mistura-se com o cinema. Cenas de um filme assinado por Deborah e pelo pernambucano Cláudio Assis –  realizador de longas como os premiados “Amarelo Manga”, “Febre do Rato” e “Big Jato” – são projetadas no fundo do palco e dialogam com os corpos dos 14 bailarinos. As imagens foram registadas em novembro de 2016, quando coreógrafa, cineasta e toda a companhia viajaram durante 24 dias pelo interior do estado de Pernambuco, passando pelo sertão e agreste, até chegar à capital, Recife.

A jornada também foi documentada pelo fotógrafo Cafi, nascido em Pernambuco. Na trilha sonora original estão mais dois pernambucanos: Jorge Dü Peixe, da banda Nação Zumbi e um dos expoentes do movimento mangue beat, e Lirinha (cantor do Cordel do Fogo Encantado, poeta e ator), além do carioca Berna Ceppas, que acompanha Deborah desde o trabalho de estreia, “Vulcão” (1994).

Outros antigos parceiros estão na cenografia e direção de arte (Gringo Cardia) e na iluminação (Jorginho de Carvalho). Os figurinos são de Claudia Kopke. A direção executiva é de João Elias, fundador da companhia.

 

Em cena, os bailarinos cobrem-se de lama, numa alusão às paisagens que o poema descreve, e os seus passos evocam os caranguejos. O animal que vive no mangue está nas ideias do geógrafo Josué de Castro (1908-1973), autor de “Geografia da Fome e Homens e Caranguejos”, e do cantor e compositor Chico Science (1966-1997), principal nome do mangue beat. O movimento mescla regional e universal, tradição e tecnologia. Como Deborah faz.

Para construir um bicho-homem, conceito que é base de toda a coreografia, a artista não se baseou apenas em manifestações que são fortes em Pernambuco, como maracatu e coco. Também se valeu de samba, jongo, kuduro e outras danças populares.

A minha história é uma história de misturas”, conta Colker que foi a diretora de movimento da cerimónia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro.

 

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