Clã ao vivo no Arraial da Barrinha… o rock feminino que trouxe o público de volta a Esmoriz

Comecemos esta reportagem com um gesto arrojado: peguemos em versos dos Clã (mais especificamente do seu maravilhoso último disco “Véspera”) para recuar uns dias ao concerto dos Club Makumba também no Arraial da Barrinha. Só mesmo porque estes versos (escritos por Samuel Úria) são a descrição exata daquilo que se passou na última segunda-feira de Julho na praia de Esmoriz: “ontem à noite a terra tremeu, não foi notícia, ninguém mais sentiu”. Os Clã que me perdoem a ousadia, mas ainda estou em choque com aquilo a que assisti (ou a que não assisti para ser mais exata) naquela noite…

Mas passemos ao memorável concerto que os Clã deram no último dia do Arraial da Barrinha 2022.

Como que num continuum, o concerto começou tal como o dos Club Makumba (última referência prometo!) terminou: com uma plateia estendida até á tenda dos técnicos de luz e som. Mas isto foi antes da banda entrar em palco, porque depois do espetáculo começar, a Avenida da Praia transformou-se num infinito mar de gente. Finalmente uma plateia proporcional ao talento da banda em cima do palco!

Foi curiosamente com o tema ao qual pertencem os versos acima referidos que os Clã abriram, em grande, o seu concerto. “Sinais” é apenas uma das várias razões pelas quais o “Véspera” foi um dos (senão o melhor mesmo) melhores álbuns de 2020. Uma grande e pesada música, com uma mensagem apocalítica, que tocada ao vivo, ainda se consegue tornar maior, empoderada pela força interpretativa e a classe que só os Clã detêm. Sejamos honestos não há assim tantas bandas que nos façam cantar “este é o princípio do fim” com um sorriso nos lábios…

Pensamentos Mágicos” é apenas o primeiro, de muitos momentos que decorrerão ao longo do concerto, em que Manuela Azevedo prova (não que fosse preciso) a estrondosa e incontornável frontman que é. Frontman não… Frontwoman! Assim sim! Porque se dúvidas houvessem de que o Rock também se faz no feminino estas dissiparam-se todas aqui. Á segunda música. Não é para todos… É só para algumas.

Afastando-se do “Véspera” por uns minutos, os Clã levam-nos agora numa viagem ao passado, mais especificamente ao seu icónico álbum “Lustro”, viagem essa que se fez a “dançar na corda bamba” para euforia do público. Ainda ficámos no Lustro por mais uma música, “H2omem” (com direito a coreografia por parte de Manuela Azevedo e Pedro Biscaia), apesar de ser um tema com mais de 20 anos, fez as delícias de todas as crianças da plateia. (Again, a primeira, de muita provas que se iriam repetir ao longo da noite, em como a música dos Clã é tanto intemporal como intergeracional.)

Com “Jogos Florais” regressamos ao “Véspera”, e Manuela Azevedo aproveita esta música para enaltecer aquele que tem sido um dos fiéis parceiros e letristas dos Clã nos últimos anos, o (bem cheiroso) Samuel Úria, para quem pede um grande aplauso. Ainda embebida desse espírito, a vocalista torna a pedir uma ovação, desta vez para Sérgio Godinho, que é o autor das duas músicas seguintes “Oh, Não! Outra Vez” e “Tudo No Amor”. Esta última, talvez por ser a música mais conhecida deste recente álbum, levou o público ao rubro.

Com o tema seguinte voltamos ao ambiente pesado com que se abriu o concerto: voltamos às luzes escuras, á fortíssima bateria, ao apocalipse soberbamente interpretado pela Manuela Azevedo. E voltamos também ao woman power, não fosse esta incrível letra da igualmente incrível Capicua. “Armário” é uma música monumental e poderosa, que se não tivesse sido lançada em Maio de 2020, passaria perfeitamente por uma premonição da situação pandémica que se desenvolveu, e com a qual todos sofremos, nos últimos dois anos. Talvez por isso mesmo, nos tenham doído de uma maneira especial versos como “Eu já nem saio à rua com medo da desgraça”, “Dentro do meu armário não há verão”, “Eu sinto falta de ar, preciso sair”, e ainda o poderosíssimo “Eu estive quase pra ser feliz”. Palavras que ouvidas hoje, á luz do que vivemos, nos parecem tiros certeiros, direitos ao nosso ego.

Em total contraste com o ambiente denso da música anterior, o momento que se seguiu foi de alegria pura. Em mais um regresso ao passado, desta vez a “Kazoo”, os Clã ofereceram a Esmoriz um dos seus maiores hits. “GTI (gentle, tall & intelligent)” levou o público á loucura! E (tal como já tinha acontecido com “H2Omem”) a loucura foi geral: pais, filhos, avós, tios, primos, irmãos, amigos, conhecidos, desconhecidos, estava tudo a vibrar!

A alegria foi boa. Muito boa! Mas durou pouco.

Depois de “Tira a TeimaManuela Azevedo deixa-nos um aviso: “a próxima música não é nossa”. A minha mente divaga quase automaticamente para “O Navio Dela”, esse tema lindo do Manel Cruz, do qual os Clã fizeram uma belíssima versão, no Elétrico há quase um ano atrás. Será? Mais uns minutos de suspense e o mistério é resolvido. E a surpresa é ainda melhor do que aquilo que eu esperava (desculpa Manel…)! Quase sem luzes, e num cenário quase encantado (com a lua que entretanto aparece por detrás do palco – quase como se alguém lá em cima estivesse a ver e a agradecer) Manuela Azevedo, Hélder Gonçalves, Miguel Ferreira, Pedro Biscaia, Pedro Santos e Pedro Oliveira ressuscitam em conjunto a versão que fizeram de “Conta-me Histórias” para o álbum de celebração dos 20 anos de carreira dos Xutos e Pontapés “XX Anos XX Bandas”. Um comovente momento de extrema emoção. No final, a Manuela Azevedo faz uma bonita declaração de amor aos Xutos e recorda a honra que foi para os Clã terem sido, na altura, convidados a participar naquele disco, e o exemplo que os Xutos são para todas as outras bandas em Portugal ao mostrarem que não há grandes nem pequenos, não há novos nem velhos: somos todos iguais.

Mas a emoção não fica por aqui. Não! Nem as homenagens.

Antes da música seguinte (enquanto o Hélder troca para uma guitarra eletroacústica e os restantes membros da banda vão saindo do palco) a vocalista aproveita o microfone para tecer uma nova declaração de amor, desta vez ao (já antes mencionado) Sérgio Godinho. Manuela recorda agora a imensa alegria que sentiu quando tão gigante nome da música portuguesa aceitou o pedido dos Clã em escrever aquela música com eles. Música que acabou por se tornar um clássico da banda! O cenário continua idílico, os holofotes desta vez são vermelhos, e a lua brilha atrás do Hélder e da Manuela que (em conjunto com o público numa só voz) canta “O Sopro Do Coração”.

No fim de tanta emoção, Manuela deixa um apelo: ”sejam felizes, até sempre!” e os Clã tocam a última música da noite.

O público não se conforma e suplica vigorosamente por “mais uma” – palavras repetidas é exaustão.

Sem grandes hesitações, os Clã regressam ao palco e tocam “Sangue Frio”, a última faixa do “Lustro”. Em mais um daqueles momentos em que a Manuela Azevedo demonstra a rockstar que é, o refrão desta música é cantado ao desafio com o público. Os versos “Tu nunca choras ao ver sangue, tu nunca ficas transparente, és daquela raça tão rara que tem no olhar o gelo quente” são quase gritados tal é o entusiasmo da assistência nesta altura.

Segue-se aquela música que nunca poderia faltar num concerto dos Clã, a razão pela qual há minutos atrás nós assobiávamos com a certeza de que haveria um encore. E ela veio mesmo! “O Problema De Expressão” levou Esmoriz (outra vez) á loucura, e ao contrário do que a letra diz, as palavras não custaram a sair: todo aquele mar de gente as sabia de cor.

Agora sim, os Clã agradecem e começam a juntar-se para a vénia final: o concerto acabou em beleza.

Ou não…

Eis que a banda de Vila do Conde surpreende ao subir novamente ao palco para se despedir mais uma vez.

Desta vez das crianças.

“Asas Delta” é a cereja no topo do bolo que deixa o público mais novo eufórico! Mas a euforia (e a energia dos Clã em cima do placo) é contagiante e passados poucos segundos já não são só os mais pequenos quem salta desenfreadamente, no fim do concerto está tudo, mas mesmo TUDO aos saltos: público e banda despedem-se assim. Mais alto!

Reportagem / Fotografias: Mariana Couto

 

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