35 anos depois os Xutos trouxeram o “Circo de Feras” ao Coliseu Porto… e que sorte foi a nossa

22 de Abril de 2023, Coliseu do Porto

Permitam-me que comece este texto com uma confissão.

Há muito, mas mesmo muito, tempo que eu sonhava com este dia.

Não só desde o ano passado, quando os Xutos anunciaram o Tó Trips como convidado especial para os cinco concertos de celebração dos 35 anos do “Circo de Feras” no Tivoli.

Nem quando, já este ano, decidiram alargar a festa a Elvas, Porto, Coimbra e Faro.

O sonho é mais antigo que isso…

 

Nasceu em 2018, quando, ainda de coração partido, assisti à transmissão do “Who The F*ck Is Zé Pedro?” e fui completamente arrebatada pela maneira arrepiante com que Trips voltou a dar vida ao hino Punk “Submissão”. Perdoem-me a blasfémia, mas por uns segundos, até parecia que o Tó tinha conseguido voltar a dar vida também ao Zé.

O momento foi de tal forma impactante que desde então que sempre que vejo o Tó Trips, em cima de um palco, encontro nele um bocadinho do Zé Pedro também. (E a ferida vai doendo cada vez menos) Seja com os Dead Combo, com os Club Makumba ou mesmo a solo, o carisma “herdado” é inegável.

Talvez tenha sido essa mesma herança que tenha levado os Xutos a convidar Trips a tocar com eles. Ou talvez tenha sido o seu enorme talento para a coisa. Ou talvez tenha sido a longa e bonita amizade que Tó mantinha com o Zé Pedro. (Que ficaria, com certeza, encantado com este “casamento”).

Na verdade, não interessa a razão do convite. Aquilo que realmente importa é que foi feito. E felizmente aceite!

 

Mas deixemo-nos de divagações e voltemos à noite que fez o Porto sair, em massa, prá rua.

Rumo ao Coliseu.

E foi logo no átrio do dito Coliseu (ainda as portas não tinham sido abertas) que a magia começou a acontecer. A magia Xutos & Pontapés. Pouquíssimos minutos passavam das 21h quando, num instante, se formou uma multidão imensa de lenços vermelhos, “X” estampados, e sorrisos escancarados.

Por entre as caras que a compunham víamos de tudo um pouco: havia crianças (provavelmente estreantes nestas lides dos concertos) acompanhadas pelos pais, havia teenagers (provavelmente rebeldes ou então muito bem ensinados), e havia adultos. Muitos adultos. Aqueles que há trinta e tal anos eram os teenagers…  Não há, realmente, público mais diverso e fiel que este!

Mas a magia maior (aquela capaz de nos deixar os olhos em água) estava reservada – pelo menos no meu caso – para o momento em que entrei no concerto.

A primeiríssima coisa que vejo, mal ponho os pés naquela mítica sala, é o Zé Pedro. Projetado num ecrã gigante que ocupava todo o comprimento do palco. Sorridente (claro!), feliz da vida, a viver o seu sonho, com um orgulho especial nos olhos que parecia gritar-me algo do género “’tás a ver isto tudo? esta malta toda? estes anos todos? fui eu que fiz!”. E a emoção é tal que já nem dá para distinguir se o meu coração fica partido ou cheio…

Não sei, ao certo, a quem deva agradecer esta calorosa receção, se aos próprios Xutos, se ao João Pombeiro (responsável pela brilhante cenografia deste espetáculo), ou se ao Henrique Amaro (mastermind por detrás da mesma). Quem quer que seja que tenha tido esta ideia: obrigada! Muito obrigada!

Os minutos seguintes são acompanhados de uma sucessão de fotografias (cortesia de Álvaro Rosendo e Pedro Lopes) que remontam às gravações do “Circo de Feras” que vai passando em loop. Quando volto a ver aquela cara sorridente que me recebeu, há pouco, percebo o quão especial foi ter entrado, no Coliseu, naquele preciso segundo. Talk about luck…

Envoltos na melancolia desta viagem, visual, ao passado, nem damos pelo tempo a correr. Só quando as luzes baixam é que temos a confirmação que a festa está prestes a começar. Só falta mesmo os Xutos subirem ao palco. Ou não… Ainda a banda não tinha entrado em cena, e o Coliseu já está estava ao rubro, por entre aplausos, gritos de euforia, assobios, e (até mesmo) pedidos por mais uma! Afinal estamos no Porto…

E eis que chegam, finalmente, os heróis da noite. Gui, Kalú, João Cabeleira e Tim entram sorridentes, e, sem grandes rodeios, começam logo a tocar. Sabemos, dos concertos anteriores, que a festa será dividida em duas partes: um mega ataque de nostalgia, inicial, com alguns dos maiores êxitos primordiais da banda, a fazer recordar as noites do Rock Rendez Vous, e depois, o aniversariante “Circo de Feras” tocado na sua integra (com direito a convidado especial).

Som da Frente” – esse tema que abria o (seu homónimo) programa de rádio do lendário António Sérgio – é o tema escolhido para, hoje também, abrir esta celebração. E a julgar pelo barulho com que a multidão respondeu a este eletrizante instrumental, é mais do que evidente que a escolha foi a mais acertada.

Ainda sem uma palavra, os Xutos avançam no escuro, e enfrentam, corajosamente, o “esquadrão da morte”, antes do Cabeleira se lançar ao riff do “1º de Agosto” e deixar todo o Coliseu num fogo posto.

Depois deste poderoso hat-trick de canções, Tim atira-se ao microfone, e, com um sorriso aberto de puro prazer, grita as palavras mágicas (que todos ansiávamos ouvir): “Obrigada Porto. Aqui Xutos & Pontapés!”

Obrigado por terem vindo” continua a agradecer, antes de seguir numa supersónica viagem “por aqui, por ali” até aos tempos (da classe de 79) em que os Xutos vinham ao Porto tocar em sítios como o Cruz Vermelha. Sempre em primeiro!

Introduções feitas, Tim volta a juntar-se aos seus companheiros para nos oferecer uma verdadeira relíquia: a única passagem pelo “Cerco” da noite. A energética “Conta-me Histórias” cai nesta multidão de gente sentada quase como um pecado, mas nem assim o público deixa de vibrar com cada história não contada, gritando, em uníssono com a banda “amas a vida, e eu amo-te a ti!!” a planos pulmões. Mais alto do que este público, só mesmo o icónico “rap” final do Kalú que (talvez por se encontrar a jogar em casa) cantava com a pica toda.

E por falar em Kalú, o hino seguinte é assumidamente um dos favoritos do baterista, já que em tempos mais conturbados, foi a gravação desse single (tirado a ferros e sem o apoio de ninguém) que evitou um possível fim dos Xutos. Bendito! E foi também a música com que o Cabeleira se estreou. Não podia mesmo faltar a “Remar Remar”!

Com a pompa e circunstância devidas a um tema tão emblemático, eis que todas as luzes baixam, deixando ligados apenas os holofotes que cobrem a bateria. Lá sentado vemos o Kalú, que embalado por um Coliseu inteiro a gritar o seu nome, executa um dos melhores solos da noite. Quando as luzes voltam a acender, aquilo que reaparece (apesar de não ser nada de novo: está lá desde o início do concerto, e desde sempre na verdade) é algo que nos deixa sempre comovidos. E nesta música então… Aquilo que vemos é um conjunto de amigos, que apesar de todas as adversidades, segue sempre unido. Um conjunto de amigos que nunca deixa ninguém para trás, mas que segue sempre para a frente. Um conjunto de amigos que, mesmo em mares convulsos, continua a forçar a corrente. Aquilo que vemos são os Xutos & Pontapés. No seu melhor!

Depois deste momento tão emocionante, Tim volta ao microfone para nos começar a contar um bocadinho da história do “Circo de Feras”. Mas antes de lá chegarmos há ainda uma outra paragem a fazer: uma pequena cassete, de seu nome “7º Single” (disponível para compra, em exclusivo no site da banda, como parte de uma box especial “Circo de Feras – 35 anos” com outras raridades do género). Uma cassete que, até pode nem ser assim tão conhecida, mas que acabou por abrir caminho para o álbum aniversariante.

E então a história reza-se assim: “Estávamos nós nestas aventuras, o João e o Gui tinham entrado, tudo a correr bem, e desde a “Remar Remar” que nós andávamos a cultivar músicas mais de entretenimento. Mais para a frente gravámos uma cassete. Vocês sabem o que é uma cassete? (pausa para riso do púbico mais velho, e espanto do público mais novo) Ora bem, para ser mais económico, os dois lados eram iguais um ao outro. Fizemos 2 ou 3 músicas (lá está com os dois lados iguais). Vamos tocá-la na integra hoje também”. E, como que a anunciar o tema seguinte, Tim conta-nos, ainda, que uma das músicas se chamava “A Minha Aventura Homossexual Com o General Custer”. 

O segundo instrumental da noite, essa aventura com sabor a rodeo, acaba por ser, também, o prelúdio perfeito para o groove gingão da “Sou Bom” que lhe sucede. A música outrora chamada de “o Tim é bom” traz-nos (curiosamente) um Tim mais atrevido: um Tim sem medo de abanar as ancas nem de se passear pelo palco. Só mesmo para não deixar esquecer que, para além de vocalista, baixista e letrista, Tim é também um frontman. E é sem dúvida o maior!

Depois de avisarem que iriam dar a primeira parte do concerto por terminada, o Tim ainda deixa a dica no ar: “Vamos acabar com a cassete. Esta também lá estava.”  Não que fosse preciso… Afinal estamos num concertos dos Xutos. E toda a gente sabe que sem “A Casinha” os concertos dos Xutos não acabam. É a lei!

Basta aquela introdução cantada pela guitarra do Cabeleira – que já deveria ser institucional – para o Coliseu se levantar em peso. Já ninguém quer saber dos assentos. Já só queremos curtir, saltar, e claro, gritar o hino! Quanto mais alto melhor. Até se ouvir “do céu”!

Não consigo precisar quantos foram os minutos que se passaram entre a saída de cena dos Xutos até que voltaram a pisar o palco já na companhia de Tó Trips. A noção do tempo e do espaço perdeu-se ali um bocadinho… Mas posso garantir que foram minutos de pura magia!

Em mais um daqueles momentos de nos deixar os olhos em água, eis que aparece, novamente o Zé Pedro, projetado, epopeicamente no ecrã gigante.

O palco é dele. E a nossa atenção também.

Numa montagem, a preto e branco, vemos alternar excertos de uma entrevista ao guitarrista, com algumas fotos que vão ilustrando as suas palavras. A intensão é clara (e comovente!): ser o Zé Pedro a apresentar-nos o grande aniversariante da noite.

É o Zé Pedro quem nos introduz ao disco mais importante da carreira dos Xutos.

É o Zé Pedro que nos abre as portas do seu “Circo de Feras”.

E realmente não poderia ser de outra maneira…

Quando voltamos ao presente, já o Kalú, o Cabeleira, o Tim, o Gui e o Tó estão a acomodar-se no palco, completamente abafados por uma plateia inteira a gritar pelo Zé Pedro. Lindo!

Mais do que habituados a estas lides, e quentinhos daquela primeira parte, os Xutos aparecem confiantes, cheios de pica, prontos para outra. Já Trips ocupa aquele canto sagrado do palco, entre o Gui e o Kalú, inicialmente um bocadinho a medo. O misto de entusiasmo e nervosismo com que coloca a guitarra ao pescoço (qual capa de super-herói) fazem lembrar uma criança pequena prestes a atirar-se, pela primeira vez, para a piscina dos grandes. A piscina que admirou a sua vida toda.

E, na verdade, outra reação não seria de esperar… A este receio inicial eu chamo de humildade. E respeito. Muito respeito! Pelos Xutos (e quando digo Xutos não falo só da banda, mas de toda a família Xutos), pelo seu público, e sobretudo, pelo Zé Pedro (que, ao contrário do que dizem algumas más-línguas, não veio, nem vai nunca, substituir).

E, muito honestamente, esta tímida entrada do Tó – a seguir ao vídeo que passou há bocado claro! – foi a coisa mais bonita que eu vi durante todo o concerto.

 

O “Circo de Feras” é tocado na íntegra, e praticamente na sua ordem original, o que significa que o primeiro tema a bombar são os “Contentores”. Essa “perolazinha” de que o Zé Pedro nos falava, orgulhosamente, ainda há uns minutos atrás. E neste (tão familiar) arranque do Circo de Feras quem mais brilha é o saxofone (preto lindo!) do Gui e a guitarra (curiosamente também hoje preta) do Cabeleira. Ora em separado, ora em conjunto, são eles quem comandam este “cargueiro espacial”. E segundo aquilo que o Tim, em uníssono com todo o Coliseu, vai cantando, diz que (ele) não voa nada mal…

Quem também não voa nada mal é o Tó Trips, que parece ir sacudindo o peso gigante que carrega nos seus ombros, a cada a acorde que arranca da sua menina. Sendo que o toque final é a introdução de “Sai prá Rua”. Depois de assumir a responsabilidade de abrir sozinho esse tema, Tó como que ganha um novo fôlego, e com a consequente entrada dos Xutos na música, um novo conforto. Agora já lhe vemos melhor a felicidade. Algo discreta ainda (bem ao seu jeito reservado). Mas ela já lá está. Vemo-la na cabeça que começa a abanar, nas pernas que começam a arquear, e no sorriso que está aí quase quase a rebentar.

Digamos que, com esta música, Trips saiu finalmente prá rua. E o público (tal como os Xutos) acolheu-o de braços abertos!

A máquina bem oleada que agora vemos em cima do palco, segue feliz na sua viagem, a todo o gás, pelo “Circo de Feras”, parando, para já, “num quarto alugado, numa pensão qualquer”, acompanhada dos vários letreiros néon que vão piscando no ecrã gigante, como que a deixar à nossa imaginação “onde (eles) queriam (afinal) chegar”.

O próximo tema, pode não ser dos mais aclamados pelo público, mas para os Xutos é um dos mais fortes e que lembram com mais carinho. Por ter sido, à altura, tão importantes para fomentar a união que lhes conhecemos hoje. Chama-se “Desemprego”.

Confesso que pertencia àquela porção do público que desconhecia esta música, mas não demorou muito até me render… Tudo nessa confortante “raridade” soava a um gigante abraço. (Daqueles que nem sabíamos que precisávamos…) A guitarra elástica do Cabeleira, que ligava na perfeição com as imagens das “ondas a rolar” e da “gaivota no ar” naquele azul aconchegante. O embalo do baixo seguro do Tim. Tudo se parecia compor para que, por uns minutos, nos esquecêssemos que temos de lutar.

Mas o efeito calmante do mar não dura muito tempo… Mal aparece a ponte D.Luís, no ecrã gigante, o público da invicta regressa, num repente, ao seu estado natural de euforia. Sabemos muito bem o que aquela ponte significa: vem aí um dos hits mais especiais do “Circo de Feras”. O mais pequeno e ao mesmo tempo o mais intenso.

Quem nos guia por “esta cidade”, numa primeira fase melodiosa, são o Gui e o Tó, que tocam frente a frente, numa hipnotizante sedução entre saxofone e guitarra, que envolve toda a nossa atenção. Numa segunda fase mais Punk, o duo separa-se, e Trips volta à sua pose clashiana enquanto o Tim se vai revoltando, cada vez mais alto, contra o “poder podre dos homens normais”. Dúvidas houvesse de que este match foi mesmo made in heaven, ficaram todas por aqui… Perdidas no meio da rua. Nua, crua e bruta.

Esta nostálgica, mas feliz viagem pelos grandes êxitos do “Circo de Feras” está longe de terminar, e a próxima estação “está mesmo ali ao lado”. As imagens do (possível) sonho americano (todo bem rodado), que vão passando no grande ecrã, não enganam ninguém. Paramos agora “N’Ámérica”. E por lá ficamos, a curtir, de braços no ar e sorriso nos lábios, a saltar e a cantar, até que, muito a custo, lá regressamos ao Coliseu. (Que por pouco não vinha abaixo…)

A música seguinte não é um hit, não é um êxito, nem é um hino (tudo adjetivos que, até agora, tinha utilizado para descrever o repertório dos Xutos). A música seguinte é muito maior do que isso. É a música do Zé Pedro. E há de ser para sempre a música do Zé Pedro.

Não Sou o Único” abre hoje, em muito mais do que beleza, acompanhada por uma gigante silhueta de cinco amigos (que nos parece) projetada diretamente aos nossos corações. E mais uma vez, cabe a Trips honrar aquela mítica introdução. De que tínhamos tantas saudades.

Aproveitemos este momento específico, e tão especial, para realçar um pequeno pormenor do outfit do Tó (que já nos tinha feito verter uma lagrimazinha mal o vimos entrar em palco) mas que achamos mais bonito de enaltecer agora. Nesta música.

A t-shirt dos Ladrões do Tempo (banda que, desde 2015, partilhava com o Zé Pedro). Foi com ela orgulhosamente vestida que fez todos estes concertos. E é com ela vestida, hoje, que partilha com os Xutos uma alegria muito especial: a alegria de ver um Coliseu inteiro de pé, a vibrar com cada nota, a cantar todos os coros, e a gritar todos os refrões. Desta música. A do Zé Pedro. Realmente depois das trevas abrirem, o sol começa mesmo a brilhar! Alguém tinha razão…

Como resultado, aquilo que vemos agora em palco, é um Tim agradecido, de braços abertos, como que a abraçar todo aquele mar de gente.

O carinho é devolvido com um ensurdecedor “e salta Tim e salta Tim alé alé!” que o baixista não recusa, deixando a plateia ao rubro e a saltar também.

Vai mais uma?” começa a picar-nos. “Do Circo de Feras?” acrescenta. E lá vamos nós outra vez. Afinal de contas, “hoje é que eu me faço à estrada”.  Uhhh ahhh

E desta vida, que de malvada só tem mesmo o nome, nasce um dos momentos mais Rock n Roll da noite. Com tudo aquilo a que temos direito! Ele há coros do Kalú, coros do Gui, um solo do Cabeleira, e até mesmo uma battle entre a guitarra de Trips e o baixo do Tim (que depois resolvem num bonito abraço). Ninguém fica para trás neste hino à desbunda. Só mesmo a vida atinada…

Com o concerto quase a terminar, Tim aproveita para apresentar a banda: “na guitarra João Cabeleira, o Gui no saxofone e vozes, na bateria o Kalú, na guitarra, como convidado nesta tour, Tó Trips”. E os aplausos eram tantos que quase não o deixavam continuar… “Eu sou o Tim, e nós somos os Xutos & Pontapés”, lá conseguiu concluir antes do Coliseu vir praticamente (outra vez) abaixo…

Obrigado por estarem sentadinhos” brinca agora, antes de nos descansar e prometer que “esta (tour) acaba hoje, mas logo já começa outra: já nos vemos por aí!”

Numa última picardia da noite, ainda nos pergunta “E qual é que falta?” respondendo no instante a seguir “ É o Circo de Feras!”

Obrigada. Boa noite!” são as últimas palavras que lhe ouvimos, antes daquele crescendo (tão familiar) da bateria do Kalú nos pegar pela mão, e nos levar a viajar por esse hino que sabemos, não só de cor, mas também de coração. Prova disso mesmo é a entrega arrepiante com que todo aquele esgotado Coliseu cantava que “a vida vai torta” e que “jamais se endireita”, espantando todo o azar que se pudesse esconder à espreita.

Nos entretantos (que é como quem diz nas nossas esperas) olhávamos o palco. E aquilo que víamos fazia-nos sentir uns verdadeiros privilegiados. Os nossos heróis (TODOS os nossos heróis) a fazerem magia. Juntos. Ali, mesmo à nossa frente. Realmente foi um luxo poder fazer parte deste concerto. O último desta tour tão especial.

É ainda perdidos no nosso próprio encantamento, que vemos os Xutos (e agora também o Tó) saírem, pela segunda vez, de cena.

Como resposta ao palco vazio, o público fica a cantar, cada vez mais alto e cada vez com mais força, apelando ao regresso.

E assobia em massa quando este finalmente acontece.

Para um emocionante encore, os Xutos trazem consigo, para além do Tó Trips, uma surpresa muito bonita. Uma música que, tal como o Tim nos conta orgulhoso, “foi escrita pelo Zeca, e é capaz de explicar um bocadinho o porquê de tudo isto, o porquê de vocês ainda estarem aqui a estas horas da noite”. Num tom menos sério anuncia que se chama “Morte Lenta” e que “o Kalú vai cantar”.

E com esta pérola, resgatada do primeiro álbum de sempre dos Xutos, vejo aparecer algo que nunca tinha visto na minha vida: o Tim em versão Punk! (uma raridade que só conhecia em fotos, ou em livros, mas não em palco…) De sorriso rasgado na cara, imparável, a fazer coros no mesmo micro que o Gui, enquanto o Kalú vai gritando aos quatro ventos que não quer morrer devagar. E com ele o Coliseu inteiro! Ninguém consegue ficar imune a tanta energia…

Mas as ofertas não ficam por aqui. Antes da despedida final, os Xutos ainda nos levam em mais uma viagem.

De 77/82 passamos para 88. E o caminho é feito (como sempre) “à nossa maneira”!

Ainda as mal guitarras tinham arranhado a introdução desta espécie de hino oficial da resiliência, e já todos os setores (mas mesmo todos os setores!) do Coliseu estavam a rebentar de gente aos pulos. Ninguém queria que a festa acabasse. Hoje, e só hoje, queríamos ficar na noite de sempre. E para sempre.

Mas como já diziam os Stones “you can’t always get what you want” e os Xutos dão mesmo a coisa por terminada.

Deixando para trás uma sala inteira a gritar por “mais uma”.

Quando voltam (claro que voltam!) o Kalú traz consigo um par de baquetas que atira, sorridente, para o público, fazendo a noite dos sortudos que as apanharam.

Segue-se a vénia final (à qual Tó Trips se junta um bocadinho a custo e empurrado pelo Gui) que mostra uma imagem muito bonita, a fazer lembrar aquela que apareceu antes da “Não Sou o Único”: cinco amigos, sorridentes e agradecidos, felizes da vida por continuarem, hoje, onde sempre quiseram estar – em cima do palco.

Depois dos merecidos aplausos, os músicos tornam às suas posições, e generosamente, ainda nos oferecem mesmo “mais uma”.

Para Ti Maria” é a eleita para testar a resistência do Coliseu uma última vez.

Só depois de confirmar que ele não vinha mesmo abaixo (se não vem com esta, não vem com nenhuma…) é que os Xutos e o conseguem ganhar coragem para se despedirem, agora em definitivo, do Porto.

E assim termina uma noite tão especial.

Com uma mar de gente em pé.

De braços no ar.

Cruzados.

Sempre!

 

Reportagem: Mariana Couto

Fotografias: Sérgio Pereira

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