Club Makumba ao vivo no Arraial da Barrinha… Passou um cometa por Esmoriz e quase ninguém viu

O Arraial da Barrinha (que decorre na praia de Esmoriz de 23 de Junho a 3 de Julho) de arraial tem só mesmo o nome. O cartaz da edição deste ano foi uma gigante e agradável surpresa para os fãs de rock um pouco mais alternativo. A última semana do evento conta com dois grandes nomes da música portuguesa: na segunda tocam os Club Makumba e no domingo, para acabar em grande, atuam os Clã.

Os Club Makumba são a mais recente banda do virtuoso guitarrista Tó Trips. A primeira com a qual tocou desde o fim anunciado dos Dead Combo. Segundo o próprio, os Club Makumba foram a sua forma de libertação disso mesmo, um escape dessa morte em câmara lenta. Com a ruína da banda, onde tocou durante 15 anos, a acontecer mesmo á frente dos seus olhos, Trips decidiu reagir da melhor maneira que sabia: tocando. Mas tocando de forma diferente. De forma totalmente (e propositadamente) diferente! Para os Club Makumba Tó perdeu a cartola e (simbolicamente ou não) levantou-se. Voltou o Tó das bandas, o Tó dos Ladrões do Tempo, o Tó do Rock n Roll. Mas sem nunca deixar de soar a Dead Combo…

Foi assim que nasceu a vontade (ou necessidade – dependendo da perspetiva) por parte de Trips em criar esta nova banda, agora só faltavam outros músicos. A escolha do baterista foi imediata, ou não fossem Trips e João Doce amigos e parceiros musicais há anos e anos. O percussionista esmorizense já tinha participado nos álbuns a solo de Trips e ocupou naturalmente o banco da bateria deste novo projeto. A esta dupla juntou-se uma outra dupla (de Gonçalos). Gonçalo Prazeres (saxofone) e Gonçalo Leonardo (baixo e contrabaixo), com quem Tó já tinha tocado nos tempos do “Odeon Hotel”, fecharam a formação e deram origem aos Club Makumba.

Mas deixemo-nos de introduções e passemos ao gig em si:

Era com bastante expectativa que esperava este concerto, afinal não é todos os dias que passam músicos deste nível por Esmoriz… Infelizmente parecia ser a única a pensar assim… Foi com muita surpresa (e alguma vergonha confesso) que vi os Club Makumba subirem ao placo para serem recebidos pela dúzia de pessoas que se encontravam na audiência. As palmas que se bateram eram tão poucas que nem se faziam ouvir. Uma tristeza… Já o concerto ia longo quando as pessoas, cativadas pela música, se começaram a aproximar. Enfim, só mais uma prova de que grandes bandas merecem grandes palcos…

O concerto abre com um single do primeiro álbum “Club Makumba” lançado no início deste ano. “Migratória” é uma música misteriosamente cativante, com linhas de guitarra de fazer levantar o pé do chão, mas nem assim a plateia respondeu ao convite da banda para dançar. A timidez do (ainda pouco) público persistiu durante “Med Swing” apesar do viciante e aliciante contrabaixo. Foi preciso chegar ao terceiro tema, depois de ultrapassadas algumas dificuldades de som por parte dos músicos, para uma maior quantidade de pessoas se começar finalmente a juntar perto do palco, após o Tó Trips se chegar ao microfone para saudar os presentes e anunciar que a música seguinte seria a “Baía das Negras”.

Agora com bastantes mais caras no seu horizonte, os Club Makumba ganham uma maior confiança, e atacam a música com toda a força! No final já se ouvem os (há muito) merecidos aplausos e assobios que fazem Tó voltar ao microfone e agradecer.

O concerto segue “going nowhere” numa metáfora que tão bem representa todo o conceito em volta dos Club Makumba e do seu disco de estreia: as místicas paisagens inventadas e as viagens migratórias (tantas vezes feitas sem vontade) em busca de um sonho (que tantas vezes nunca chega). Já em palco, assistimos, nesta música, á belíssima sintonia entre guitarra e saxofone, que nos soa a um perpétuo e hipnotizante aconchego.

E se na música anterior não havia destino, na seguinte não existe sequer direção. Em “Maze”, o baixo elétrico de Gonçalo Leonardo é rei e senhor, evidente e poderoso, tornando-se o principal responsável pela sonoridade arrojada que esta música carrega, uma espécie de punk dançável, que (desta vez) não deixa o público indiferente.

Makumba das Foncas” é uma de quatro músicas que já veio emprestada dos discos a solo de Trips (neste caso do Guitarra Makaka), que depois de tocada em banda, ganhou uma vida completamente diferente. Nesta música em particular, a conga de João Doce, a guitarra de Trips o saxofone de Prazeres e o (regressado) contrabaixo de Leonardo fundem-se em perfeita harmonia para nos levar numa nostálgica viagem por terras africanas.

Antes de continuarmos a navegar pelo “Club Makumba”, ainda há tempo para um presente da banda: um tema novo de seu nome “Tugareg”. Aproveitemos este momento (e esta música em particular) para enaltecer o facto de uma banda tão recentemente nascida se sentir já confiante e entrosada o suficiente para apresentar reportório novo com o á vontade com que o faz, demonstrando em palco uma maravilhosa cumplicidade entre os vários músicos: são muitas as vezes que os Gonçalos tocam lado a lado, frente a frente, seja de que forma for, e seja o instrumento que for, mas tocam quase todas as músicas juntos. Por vezes (ainda que sem sair do sítio por motivos óbvios) João Doce também se junta á festa, seja ao rodar vigorosamente a cabeça numa alegria contagiante, ou ao partilhar um gigante sorriso com o resto da banda. Já Trips (recatado por natureza) deixa-se ficar muito bem no seu canto a fazer a sua magia, passeando-se raras vezes pelo palco, sendo que os passos que dá são os que cheguem para ficar mais á beira do seu companheiro de sempre que se encontra sentado na bateria.

E já que estamos a falar da performance dos Club Makumba, não podemos deixar passar em claro um aspeto bastante particular, que é precisamente a atitude do Tó Trips em cima do palco. Desde 2017 que ver o Tó ao vivo se tornou um dificílimo exercício de controlo de emoções. É que ver o Tó ao vivo é ver uma reencarnação do Zé Pedro. E se nos Dead Combo só aquela réstia de perfil que, de vez em quando, espreitava por debaixo da cartola chegava para nos deixar com os olhos molhados, então agora com os Club Makumba, tudo, mas mesmo tudo nos lembra aquele puto punk, ainda com o seu sonho por realizar, de olhos brilhantes e sorriso rasgado a segurar a sua menina com toda o encanto do mundo. Arrepiante. Brutalmente arrepiante.

Mas voltemos ao presente, e á celebração da vida, que é precisamente aquilo que os Club Makumba fazem tão bem quando põem tudo a dançar.

Um ótimo exemplo disso mesmo é a “Black Berbere”, música com a qual somos novamente levados (sem pagar bilhete) para África, desta vez pelo enérgico saxofone do Prazeres e pelo contrabaixo, aqui tocado com arco, do Leonardo, que parecem trazer o calor abrasador e a poeira consigo. Mais uma vez, fica difícil de não começar a dar ao pé…

As duas músicas que se seguem são as duas exceções ao conceito geral do disco já que não retratam locais ou cidades inventadas. Retratam-se agora criaturas fictícias, desenham-se caricaturas de personagens provenientes de culturas exóticas.

Jimmy Habibi” leva-nos, á boleia de um magnetismo sincronizado entre guitarra e saxofone, a imaginar um qualquer psychedelic dude americano. Já “Crazy Lizard” transporta-nos, através de um crescendo de guitarra (possivelmente o momento mais rock n roll de todo o concerto), para uma qualquer casa de alterne de muito má fama, em que o lagarto maluco tanto pode ser o dono, como o cliente pacato, como o cliente perverso, como o duvidoso bartender, é só escolher…

Em jeito de despedida, todos os elementos da banda são apresentados um a um ao público, que responde com uma chuva de aplausos, sendo que os mais barulhentos ficam guardados para o último membro  a ser apresentado, aquele que nem precisava de apresentações nenhumas, João Doce, que recebe, e agradece, o calor humano de estar a jogar em casa.

Danças” fecha em beleza o concerto, e o público despede-se da banda a fazer exatamente aquilo que o nome da música pede. Depois de uma vénia conjunta de agradecimento ao público (que apesar de ser algum ainda não ultrapassa a tenda dos técnicos de luzes e som) os Club Makumba saem honrosamente de cena. Alguns minutos depois voltam (todos de casacos apertados até cima – bem vindos a Esmoriz!) para nos oferecerem um encore muito especial.

(Quem diria que com aquele deserto início iriamos ter encore?)

Reservadas para o grande final estavam ainda duas surpresas, mais duas músicas inéditas, “Golden Shangai” e “Joça”. Antes de começarem a tocar, um dos Gonçalos avisa que são duas músicas completamente opostas uma da outra: uma é muito calminha, e a outra nem tanto. Não podemos dizer que não fomos avisados…

Golden Shangai” (tal como o nome indica) é mais uma daquelas músicas que nos leva para um qualquer local misterioso, numa viagem sonora que rapidamente se torna numa experiência quase transcendente de tão harmoniosa e emocional. Ainda nos encontramos em transe quando a “Joça” rapidamente nos desperta como o verdadeiro hino á desbunda que revela ser: duvido muito que no final deste concerto houvesse alguém que não estivesse a dançar.

 

Os Club Makumba vieram a Esmoriz partilhar connosco um pouco da sua magia.

Só foi pena que tão poucos tenham sido enfeitiçados.

 

Reportagem e Fotografias: Mariana Couto

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