“Samotracias” no Festival Solos Ibéricos… Feminismo, migração e geopolítica

Depois do sucesso na estreia mundial em Loulé e passagem por Lagoa e Faro, a nova criação da Mákina de Cena, a peça “Samotracias”, ruma ao efervescente Festival Solos Ibéricos, em Lisboa, para investigar as obscuridades entre género e migração.

Integrada no Festival Solos Ibéricos, a nova criação da Mákina de Cena prepara-se para duas apresentações no Teatro Ibérico: a 12 e 13 de Novembro.

Com direcção artística de Carolina Santos, em co-criação com Letícia Blanc e Ulima Ortiz, esta é uma produção colectiva e internacional que apresenta três mulheres, três línguas e três países reunidos em palco, a partir de testemunhos de mulheres migrantes no sul do país.

 

Nem morrer, nem voltar; é impossível”. É esta a promessa de Pepita, Sandra e Sissi, de diferentes gerações e nacionalidades, que tomam a definitiva e penosa decisão de partir em busca de uma vida melhor. Partindo da obra “Les Samothraces”, de Nicole Caligaris, é aqui construído um retrato fragmentado de cada uma delas e das suas travessias cruéis e solitárias em direcção ao desconhecido.

 

Tal como a estátua da deusa mitológica da Vitória descoberta em ruínas na Grécia, estas Samotrácias do século XXI descobrem-se anónimas e com as asas fraturadas — condição que, talvez, já as marcava mesmo antes de emigrarem —, deparando-se com o desafio inevitável de cultivarem para si, num terreno árido e infértil, uma outra vida, uma outra face e um novo destino.

Valendo-se de soluções cénicas versáteis, ancoradas sobre a atuação íntima e visceral das três intérpretes e criadoras da peça, o espectáculo arremessa-nos cruamente de encontro a perguntas indispensáveis: como podem estas mulheres conciliar a dor do passado, o terror do presente e a esperança do futuro? Como afirmar o seu direito de partir ou de ficar — que, em última instância, diz respeito a nada mais do que o direito de querer?

Ao abordar questões transversais à luta pela igualdade de género e à geopolítica europeia e global, num momento em que se assiste ao triste enraizamento de guerras, à generalização da crise dos refugiados e a uma crescente feminização das migrações, quase não se pode dizer que “Samotracias” enquadra uma narrativa ficcional.

Num gesto político de aproximação e engajamento social, a peça incorpora relatos e testemunhos de mulheres migrantes residentes na região algarvia, impondo-se enquanto criação colaborativa e horizontal.

Num tributo a todas aquelas que reúnem a coragem de deixar a casa — nada confortável — do patriarcado para erguê-la, do zero, em outros lugares e culturas, “Samotracias” recobra-nos uma sensibilidade urgente para com essas tantas mulheres espalhadas pelo mundo, cujas jornadas nem sequer terminam com a chegada.

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