Salvador Sobral…. Um “Brel à Portuguese”

Salvador Sobral esgotou com semanas de antecedência a sala maior da Casa da Música para apresentar as suas versões do mestre da ‘chanson française’… Jacques Brel. Não era uma das suas influências mas várias coincidências levaram-no a descobrir e a perceber as óbvias comparações que a imprensa estrangeira fazia aquando da sua digressão pela Europa apresentando o seu último álbum “Paris Lisboa”.

Num estilo brincalhão como já habituou quem o já viu algumas vezes a atuar, Salvador aproxima-se do público que maioritariamente cresceu a ouvir Brel: “Vocês compraram bilhetes e não há nada para ver aqui. Até porque a minha irmã gozava comigo porque eu não tenho rabo. Há sem glúten e eu sou sem gluteos. Estive a pensar nesta piada toda a manhã”.  Uma gargalhada sonora ouve se por toda a sala.

Fluente em espanhol e não em Francês nota-se claramente o esforço que fez para se aperfeiçoar nesta língua, de forma a conseguir transmitir num francês quase perfeito as palavras poéticas das letras de Brel. Nesta aventura, teve a ajuda da mãe que fez a tradução das letras para se poder entregar completamente a este projeto. Essa entrega é notória não só pela forma como diz as palavras mas como gesticula durante a interpretação das canções.

 

Nervoso com a início do concerto, Salvador admitiu perante a sala que se esqueceu de ler um texto de Miguel Torga: “Coimbra, 9 de Outubro de 1978 – Morreu Jacques Brel. E estão de luto todos aqueles que sabiam que ele dizia mais aos homens com os seus versos truculentos e as suas canções dilaceradas do que muitos poetas laureados com os seus poemas herméticos. Trovador dos nossos dias, a ganir por não ser amado à altura a que pôs o amor, e a amar Deus na pele do Diabo, foi uma das raras encarnações raivosas do artista empenhado em refletir o mundo inteiro no espelho da sua própria aflição. E conseguiu-o. Não é apenas um tal, de fisionomia tal e vida tal, que ouvimos quando canta. É uma alma penada em carne viva a penar por todos nós.”

 

Os concertos de Salvador Sobral são sempre muito próprios. Desta feita, não só com a sua voz e atuações inconfundíveis brindou o público, mas mostrou toda a sua musicalidade com algumas incursões na percussão. Os seus abandonos de palco para a lateral enquanto os músicos tocam, já são uma clara imagem de marca, dando assim ‘palco’ e relevância aos brilhantes músicos que escolhe sempre para o acompanhar. Entre as canções que vai apresentando, Salvador tem sempre ago para complementar as obras que apresenta. Nesta homenagem a Jacques Brel não fugiu à regra:

 “Vi várias entrevistas de Brel e me identifico com várias coisas que ele dizia.” (…)  numa dessas entrevistas ouviu a filha de Brel dizer que ”o problema das pessoas e que são muito intensas a cantar o meu pai”. “Eu queria não ser tão intenso” mas a letra o obrigou a isso explicando o porquê”.

 

Sentado a uma mesa apenas acompanhado ao acordeão, Salvador Sobral faz o oposto do que tinha sido feito até aquele momento. Num registo mais contido apresenta “Amsterdam” um dos grandes clássico de Brel, que recebe a maior ovação da noite. Depois das emoções de um tema intemporal, os músicos regressam todos e juntam se a Salvador e a Inês à volta da mesa, enquanto Salvador espera por um instrumento…. O contrabaixo começa a marcar passo, as vozes juntam-se e a pandeireta.

No tema seguinte, a mesa em palco continua a estar em destaque, e todos os músicos contribuem para o ritmo da percussão, transportando quem ouvia para uma tertúlia musical num qualquer café parisiense, onde vários amigos se juntaram para celebrar o que os une – a música, as palavras e as canções de Brel.

Depois de uma verdadeira jam session à volta de Brel, o concerto prossegue e o ritmo é imposto pelo ressoar das notas que saem do piano, e pela voz melancólica da Salvador, misturando-se com o trompete, o que aprofunda ainda mais a melancolia a voz de Salvador. Visivelmente emocionado, Salvador ‘respira’ antes de entrar na música seguinte que muda o tom do concerto para um tom mais interventivo.

Depois de contar algumas peripécias que aconteceram durante a residência artística para preparar este conjunto de concerto Salvador anuncia que o concerto está preste a acabar…

“Há aquele momento nos concertos que é a última ou que se finge que é a última… Falta o encore que não é uma palavra francesa porque eles não usam. Não sei o que se passa com o meu português” depois de se ter enrolado todo “deve ser de andar a cantar muito em francês”.

 

A voz de Brel se faz ouvir pela sala, Salvador entra na sala e fica em pé junto a primeira fila cantando ‘a capella’. Um silêncio absoluto é apenas cortado pela narração das palavras de “Ne me quite pas”.  A sala levanta-se como forma de agradecimento pela devoção de Salvador às canções de Brel.

De megafone em punho desfila enquanto canta pela primeira fila até ao fim da primeira plateia onde cruza com a guitarra que o acompanha nesta primeira fase. Já no palco, todos os músico o acompanham em “Madeleine” ….  “Muito obrigado, foi isto“… diz Salvador agradecendo a toda a equipa.

 

Mas para já não foi só isto, e há ainda mais um concerto que acontece em Aveiro no dia 10 e quem sabe um álbum a celebrar este belíssimo trabalho.

Salvador Sobral fez-se acompanhar em palco por Samuel Lercher (piano), Nelson Cascais (contrabaixo), Joel Silva (bateria), André Santos (guitarra), Inês Vaz (acordeão), Diogo Duque (trompete e flautas) e Ana Cláudia Serrão (violoncelo).

Alinhamento:

– j’Arrive

– Quand on a que l’amour

– Les Paumés du petit matin

– Isabelle

– le Moribond

– Les bonbons

– Les Bourgeoius

– Mathide

– Amsterdam

– Vesoul

– Ces gens lá

– Bruxelles

– La Chanson des vieux amants

– Jef

– La chanson de  Jacky

– Ne me quitte pas

– Au suivant

– Madeleine

 

Fotografias e reportagem: Júlia Oliveira

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