O sol brilhou e a moda portuguesa fez a festa na edição SS19 do Portugal Fashion

De regresso ao Edifício da Alfândega do Porto, o Portugal Fashion reuniu, nesta sua 43.ª edição, 7 marcas de vestuário, 8 marcas de calçado e acessórios, 18 criadores individuais e 3 duplas criativas, além de 7 jovens designers e 5 escolas de moda. Ao todo foram realizados 35 desfiles e uma apresentação, repartidos por duas salas de desfiles na Alfândega do Porto e pelas instalações do grupo Cães de Pedra (Lion of Porches e Decenio).

 

“O 43.º Portugal Fashion apresentou um programa de desfiles muito completo e interessante. Tivemos moda de autor, linhas de pronto-a-vestir, coleções de calçado e criações de jovens designers. Além disso, o showroom Brand Up integrou expositores dos diferentes setores da fileira moda, desde o vestuário e calçado à joalharia, ourivesaria e lifestyle”, sublinha Mónica Neto, porta-voz do Portugal Fashion. “Um cartaz que refletiu a vitalidade da moda portuguesa e do Portugal Fashion. De resto, o evento demonstrou, uma vez mais, a sua capacidade de renovação, como provaram as estreias de Marques’Almeida, Sophia Kah, Rita Sá e Cristina Ferreira, o regresso de Maria Gambina e a subida à passerelle principal das ex-bloomers Nycole e Sara Maia”, acrescenta Mónica Neto.

Após o desfile de Alexandra Moura powered by Portugal Fashion na ModaLisboa, ao abrigo do recente acordo de colaboração entre os dois eventos, foi no emblemático Edifício da Alfândega do Porto que, no dia 18 de outubro, arrancou o 43.º Portugal Fashion primavera/verão 2019. Os primeiros desfiles inseriram-se no Bloom, uma plataforma destinada à divulgação de jovens criadores e escolas de moda. Destaque para os dois finalistas do Concurso Novos Criadores PFN, Luís Sandão (ESAD) e João Sousa (Escola de Moda do Porto), para as vencedoras do último Concurso Bloom, Mara Flora e Maria Meira, e ainda para Rita Sá, que se estreou no Bloom.

 

Seguiram-se, já ao final da tarde, os dois únicos desfiles off location, protagonizados pelas marcas Lion of Porches e Decenio, ambas do grupo Cães de Pedra. Pela passerelle montada nas novas instalações do grupo, em Mindelo, Vila do Conde, desfilaram as propostas de inspiração britânica da Lion of Porches e o pronto-a-vestir descontraído, versátil e preppy da Decenio. Foi também uma oportunidade para conhecer uma estrutura fabril modelar, onde, em cerca de 30.000 m2 de área coberta, trabalham 150 pessoas (administração, estilismo, marketing, online, etc.) e funcionam a cadeia produtiva, os showrooms, a plataforma logística e ainda o laboratório de qualidade do grupo. Com estes desfiles, o Portugal Fashion reiterou a sua ligação estratégica e matricial à indústria de vestuário portuguesa.

Lion of Porches

No final do dia, o programa prosseguiu com 3 criadoras que estão a emergir na moda portuguesa graças ao seu comprovado talento: Carla Pontes e Susana Bettencourt, que depois do tirocínio no Bloom impuseram-se na passerelle principal do evento, e Teresa Martins, que, com a sua marca TMteresamartins, criou uma identidade estética bem vincada. Carla Pontes apresentou na sua coleção “Corpo” malhas muito elásticas e super texturadas, com cores fortes e aplicações plásticas. São também as malhas o material de eleição de Susana Bettencourt, que na coleção “Resilient Individuality” criou novas texturas, volumes e silhuetas em tecidos jacquard fortes e com padrões únicos. Da TMteresamartins, assistimos a verdadeiras combinações inusitadas de cores, texturas e detalhes.

 

O segundo dia do 43.º Portugal Fashion arrancou com uma das grandes novidades do calendário: a marca de calçado e acessórios de senhora CF CRISTINA, assinada pela conhecida apresentadora Cristina Ferreira. Lançada em 2015, a marca integrou o line-up Portugal Fashion às 13h00 de sexta-feira, tendo sido um dos pontos altos desta edição. Refira-se que o calçado e acessórios CF CRISTINA estão à venda em mais de 60 lojas e no site dailycristina.com. Segundo a apresentadora, os artigos da marca refletem a sua personalidade: “Têm brilho, conforto, pormenores e alguma excentricidade”, revela.

 

Um pouco mais tarde, Nycole e Sara Maia, 2 jovens designers que estiveram em evidência nas últimas edições do Bloom, subiram pela primeira vez à passerelle principal do evento. Percurso semelhante conheceram Inês Torcato e David Catalán, dois criadores que, mercê do talento demonstrado no Bloom, passaram a apresentar as suas coleções entre os grandes nomes da moda portuguesa, como aconteceu nesta edição. A ascensão à passerelle principal de tantos jovens criadores mostra que, através do projeto Bloom, o Portugal Fashion está a promover a renovação geracional e consequente revitalização estética e comercial da moda portuguesa.

 

Por detrás da emergência de muitos destes novos talentos está Maria Gambina, que, como professora de Design de Moda, foi mentora e é referência tutelar de muitos jovens saídos das escolas de moda do Porto. Foi justamente Maria Gambina que protagonizou o mais saudado regresso ao Portugal Fashion e às passerelles portuguesas, que abandonou para se dedicar em exclusivo ao ensino. A última participação da criadora no Portugal Fashion data de 2004, apesar do seu nome estar indelevelmente inscrito na história do evento. Importa recordar que Maria Gambina participou na 1.ª edição do evento em 1995 e figurou, durante quase dez anos, nos desfiles nacionais do Portugal Fashion mas também nas suas ações internacionais (fashion weeks de Paris e São Paulo, Pasarela Gaudí – Barcelona e Circulo de Bellas Artes de Madrid).

Neste seu regresso às passerelles, após a pausa na carreira em 2013, Maria Gambina apresentou a coleção “Construção”, que “estabelece um paralelo entre a modelação das volumetrias e corte dos detalhes e a evolução da identidade criativa da designer”. Destaca-se “o uso de processos originalmente manuais e tradicionais, como o crochet e o patchwork”, que revelam a preocupação da criadora com a sustentabilidade ambiental. De resto, os desperdícios dos materiais da coleção foram reutilizados em novas peças.

Os pormenores que mais sobressaíram nas novas propostas de Maria Gambina são os “colarinhos que encaixam em camisas”, “as golas que se transformam em escapulários de trench coats” e as “peças reversíveis e versáteis”, que “são sublinhadas por referências gráficas à sinalética de obras em construção”. Nas cores predominam o preto, o branco, o vermelho, o azul royal, o laranja, o amarelo e o bege.

 

No final da tarde de sexta-feira, assistimos a quatro desfiles muito ecléticos. Desde a irreverência vanguardista dos ex-Bloomers Estelita Mendonça e Hugo Costa à elegância clássica de Carlos Gil e de Micaela Oliveira. Na coleção “Aquarella”, Carlos Gil propõe tons fortes e cintilantes em vestidos fluídos, maxis e minis, com fendas e mangas volumosas de corte elegante. De salientar a aplicação de nós e laçadas tecnicamente estudadas, que geram drapeados. O criador privilegia os tecidos nobres como a seda, a organza, o crepe e as lantejoulas, com pormenores modernos.

A noite do 2.º dia de desfiles ficou marcada pela estreia no evento da marca Sophia Kah, que em setembro apresentou a sua coleção em Londres com o apoio do Portugal Fashion. É, de resto, na capital inglesa que a designer Ana Teixeira de Sousa desenha os luxuosos vestidos de noite da marca Sophia Kah, que começam a ter reconhecimento no mercado internacional e a acolher a preferência de celebridades planetárias. Beyoncé, Keira Knightley, Kerry Washington, Nelly Furtado, Florence Welch, Sophie Ellis-Bextor ou Olivia Palermo figuram na lista de clientes da designer. De resto, a marca Sophia Kah tem pontos de venda em armazéns tão prestigiados como o Harrods e o Barneys NY e conhece uma significativa procura em países do Médio Oriente e na Rússia.

Oriunda de uma família com tradição no setor têxtil, Ana Teixeira de Sousa cresceu no bulício da fábrica dos pais, em Felgueiras, brincando com tecidos e inventando as suas primeiras roupas. Foi para Londres estudar Gestão Internacional, mas a paixão pela moda falou mais alto. Em 2010 criou a marca Sophia Kah, que é integralmente produzida em Portugal.

No Portugal Fashion, Ana Teixeira de Sousa apresentou uma coleção que joga com técnicas de bordados regionais. As peças foram feitas à mão, com acabamentos de renda e finas sedas italianas, que dão uma aparência de corte trompe l’oeil e permitem realçar as curvas naturais do corpo feminino. Destaque para as combinações de seda, bem como para os calções com acabamento em renda, os blazers com lapelas de rendas, os crop-tops e saias e os vestidos plissados e longos em tecidos finos e de malha. A paleta cromática abarca os tons mostarda, o verde limão e o laranja queimado, em contraste com cortes vincados em renda preta e costuras desmanchadas que configuram os contornos do corpo.

 

Também de Felgueiras, Diogo Miranda apresentou, nessa noite, uma coleção inspirada na obra de um dos fotógrafos mais influentes do século XX, Irving Penn. Nas novas propostas do criador, já reveladas em Paris com o apoio do Portugal Fashion, sobressaem as “linhas femininas e etéreas transmitidas por cortes minuciosamente pensados, drapeados”, bem como as “silhuetas esbeltas e longas”, que “transmitem sensualidade, porém contida”. Nos materiais, “o tafetá de seda e os brocados ajudam a moldar mangas 3D e a criar volumes, comprimentos midi versus pernas expostas, cortes assimétricos e decotes profundos em crepe e linho”. Avultam as “cores nude, como o rosa, o amarelo, o azul céu, em contraste com o roxo, o preto e o bordeaux”.

 

Para terminar a noite em beleza, Miguel Vieira trouxe uma coleção que celebra os 30 anos de carreira do criador e que se inspira, em termos cromáticos, no movimento pop art e nas ilustrações vintage. “Com grande foco nas cores primárias e nos estampados, combinam-se grafismos pós-modernos e gravuras em peças clássicas com pormenores desportivos. O resultado é um conceito de streetwear couture, que se deve ao destaque dado à alfaiataria e também a uma estética urbana muito forte, que transmite uma certa rebeldia”, explica Miguel Vieira. Sobressaem os fatos estruturados e os jogos de volume, as novas técnicas de estamparia (corte a laser, sublimação e termocolagem), a sobreposição de peças, os acessórios utilitários urbanos e os estampados. Nas cores, dominam o preto caviar, o azul-marinho, o azul Riviera, o vermelho-aurora e o amarelo açafrão.

 

O último dia desta 43.ª edição começou, logo pela manhã, com o muito aguardado desfile da marca Marques’Almeida, que se estreou no evento depois de ter participado, em setembro, na Paris Fashion Week com o apoio do Portugal Fashion. Alunos da escola de moda CITEX, no Porto, Marta Marques e Paulo Almeida tornaram-se casal e dupla criativa e os seus apelidos deram origem à marca homónima. Em 2009 instalaram-se em Londres, onde concluíram o mestrado em Moda na Central Saint Martins, escola de Artes e Design que formou Alexander McQueen, Phoebe Philo ou Stella McCartney.

Com atelier na capital inglesa, a dupla participa, desde 2010, na London Fashion Week com a sua linha de roupa e acessórios femininos Marques’Almeida. Absolutamente portuguesa, a marca caracteriza-se pela irreverência e informalidade, avultando nas suas coleções as t-shirts garridas, o denim, as peças desconstruídas e sobredimensionadas. Ora foi este look M’A girls que atraiu não só a indústria da moda mas também celebridades do showbiz, como Rihanna, FKA Twigs, Beyoncé, Solange ou Sarah Jessica Parker.

Com vários prémios internacionais no currículo, a Marques’Almeida é hoje comercializada em cerca de 100 pontos de venda e está presente em plataformas e-commerce de referência, como a Net a Porter, a Yoox, a Farfetch, a MatchesFashion ou a Selfridges. A marca emprega mais de duas dezenas de pessoas (três em Portugal) e deverá, este ano, duplicar a faturação em relação a 2015, que foi de 1,4 milhões de euros. No final de 2018, a dupla espera ter faturado entre 3,2 e 3,3 milhões de euros.

Na Alfândega do Porto, a Marques’Almeida apresentou uma coleção inspirada em técnicas, silhuetas e padrões portugueses. Numa reinterpretação dos nossos xailes tradicionais, as franjas surgem ora como vestidos compridos, ora como elementos de diferentes peças. A nova coleção da dupla incorpora também saias pretas a arrastar pelo chão e vestidos brancos com bordados azuis a contrastar, que remetem para o imaginário etnográfico português, nomeadamente de Viana do Castelo, embora num contexto e com design modernos.

 

O programa do 43.º Portugal Fashion prosseguiu com três nomes grandes da moda portuguesa: Katty Xiomara, Nuno Baltazar e Storytailors. Refira-se que a dupla João Branco/Luís Sanchez regressou ao Porto, onde já não desfilava há várias edições. E tal como tem acontecido em Lisboa, em edições transatas do Portugal Fashion, os Storytailors não vão realizaram um desfile de moda tout court, mas sim uma apresentação performativa das suas novas propostas.

A indústria assumiu, no derradeiro dia do Portugal Fashion, um grande protagonismo. As marcas Meam e Concreto deram a conhecer as suas novas coleções, não deixando de demonstrar, uma vez mais, a excelência do vestuário português. A designer Pé de Chumbo inspirou-se no desenho das tradicionais palhinhas usadas no mobiliário português, numa coleção em que a seda, o algodão e a rafia são usados em texturas encorpadas que criam volumes ou em texturas leves e românticas com o brilho das lantejoulas e as franjas.

 

Num desfile coletivo, seis marcas de calçado e acessórios (Ambitious, Fly London, J. Reinaldo, Nobrand, Rufel e The Baron’s Cage) mostraram o que de melhor o setor produz e exporta. Mais tarde, com a marca homónima, Luís Onofre tratou de afastar quaisquer dúvidas sobre a qualidade, sofisticação e elegância do calçado português, que é um dos mais competitivos e com valor acrescentado do mundo.

 

De regresso de Paris, onde apresentou a sua última coleção com o apoio do Portugal Fashion, Luís Buchinho concitou a atenção do público do evento a partir das 20h00. Para a próxima estação quente, o criador setubalense radicado no Porto propõe uma coleção inspirada nas gravuras Gyotaku, um método tradicional japonês que os pescadores usam para reproduzir os peixes que capturam. Fascinado por essas imagens, Luís Buchinho fez experiências de estamparia em pele sobre bases de jersey, rib e renda para obter um efeito de brilho metálico semelhante ao das escamas de peixe.

Na passerelle da Alfândega do Porto foram vistas “saias com estampados Gyotaku, calças de cintura alta com riscas em cores contrastantes e molas de pressão nas carcelas laterais, bem como vestidos de jersey combinados com tops plissados e cintos de formas onduladas”. De resto, a morfologia dos peixes e a sua fisiologia enformam a construção em sobreposição dos casacos e jaquetas.

Refira-se que, nesta nova coleção de Luís Buchinho, as “calças e vestidos apresentam fechos com algodão em tons contrastantes, debruns com fitas coloridas, ribs com foile nas bainhas, no decote e na cintura e pormenores em rede perfurada, que jogam com a transparência, opacidade e textura”. Nas cores predominam “o cobre, o rosa malva, o fúcsia, o vermelho, o roxo, o azul-marinho, o branco e o preto, sublimados por um brilho prateado”. 

 

Também de regresso ao Porto estiveram Manuel Alves e José Manuel Gonçalves, a dupla histórica da moda portuguesa que tem, nas últimas edições, apresentado as suas sempre estimulantes coleções nos desfiles do Portugal Fashion em Lisboa. Depois dos “manéis”, um outro histórico tomou a passerelle – Júlio Torcato, que celebra justamente os seus 30 anos de carreira.

 

Para festejar tão longeva e prolífica carreira, Júlio Torcato lançou um desafio a 30 pessoas que marcaram os seus 30 anos de percurso na moda. Cada convidado (Ana Deus, Anabela Baldaque, Cassiano Ferraz, Mariama Barbosa, Miguel Flor, Miguel Viana, Mário Matos Ribeiro, Paulo Gomes, Ruben Rua, Vera Deus, entre outros) escolheu uma das 30 peças de Júlio Torcato selecionadas de um espólio de 30 anos, tendo liberdade total para intervir nessa mesma peça, “transforma-a, reinterpreta-a, sem regras”. As peças que resultaram destas intervenções vão foram vistas no desfile de encerramento do 43.º Portugal Fashion, juntamente com a nova coleção de Júlio Torcato. 

Para a primavera/verão 2019, Júlio Torcato propõe uma “coleção minimal”, que reinterpreta o universo urbano. “Uma mistura da alfaiataria clássica com a linguagem do workwear, em tons de branco, beges e camel, vemelhos e lilás, pretos e marinhos com sarjas, brocados, rendas, denim e tecidos técnicos”.

 

Fotografias / Reportagem: Paulo Homem de Melo & Magal Nunes

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