Novo ciclo dos Festivais Gil Vicente aposta em novos protagonistas da criação teatral portuguesa

Em Guimarães, o mês de junho é pródigo em oportunidades para mergulhar no mundo do teatro. E este ano, entre os dias 2 e 11, os Festivais Gil Vicente intensificam a imersão nesta realidade com a aposta nos novos protagonistas da criação teatral portuguesa, como Diogo Freitas e Sara Inês Gigante (ambos com trabalhos em estreia), Victor de Oliveira, auéééu, Sofia Santos Silva, Catarina Rôlo Salgueiro e Leonor Buescu, que representam a renovação dramatúrgica em curso e um olhar questionador sobre o mundo.

O rumo da sociedade, o papel da mulher e o pensamento universal vão apontar coordenadas para um programa que será reforçado com ações de formação, interação do público com os artistas e processamento de matéria crítica, capaz de fazer movimentar a comunidade artística e população em torno de uma prática há muito enraizada no território. Durante o decorrer dos Festivais Gil Vicente, também o Teatro Oficina entra em ação, enquanto companhia da casa, propondo “Depois do fim: um ciclo sobre o que acontece quando a escola acaba“, composto por um workshop de teatro com Beatriz Batarda e umas jornadas de teatro dedicadas a estudantes de teatro e jovens profissionais.

 

A abrir esta edição de 2022 dos Festivais Gil Vicente, é seguido o lastro lançado na anterior: formas de imaginar o fim para desencadear outros começos, como reforçado nas palavras do seu diretor artístico, Rui Torrinha. Seremos assim convidados a entrar num novo sistema mundial cuja relação e vivência com um determinado regime de poder será feita pela escolha através do voto a cada cinco anos. “Tratado, A Constituição Universal”, peça que arrisca uma nova ordem e uma imprevisível resposta do caos a essa nova configuração, tem estreia no CCVF a 2 de junho, com criação e encenação de Diogo Freitas, sendo este o último espetáculo do ciclo “Democracia e os anos 90”, da Momento – Artistas Independentes.

 

Se por um lado a peça de Diogo Freitas parece ligar-se ao caráter universal da obra de Gil Vicente, já a “Massa Mãe” de Sara Inês Gigante, nova criação que estreia nos Festivais Gil Vicente (3 junho), propõe o resgate das tradições, matéria cara a esta criadora que também assume aqui o lugar de intérprete. Em palco encontramos uma gaiata a esmiuçar parte da sua identidade – a que está bordada com corações minhotos, fazendo surgir questões relevantes: como nasce o conceito de Tradição? O que torna um hábito ou um costume, uma tradição? Qual o poder do tempo numa tradição?

 

A partir do pensamento sobre a origem chegamos a “Limbo” (4 junho), peça da autoria e interpretação de Victor de Oliveira, criador moçambicano radicado em Paris e com anos de crescimento em Portugal, que questiona as disputas da memória coletiva e as experiências de crescer na indefinição, num eixo entre a autoficção e a ficção social. Considerado um dos espetáculos mais marcantes de 2021 pelo jornal Público, “Limbo” questiona os conflitos de identidade dos mestiços (Mulatos) e os horrores da colonização e da política de hierarquia de raças, para perceber o lugar que ocupam, atualmente, os afrodescendentes nas antigas potências colonizadoras europeias.

 

Esse lugar aparentemente desagradável (limbo) segue em especulação na segunda parte dos Festivais com “O Desprezo” (9 junho) dos auéééu, que inspirados pelos filmes Le mépris e Weekend, de Jean-Luc Godard, se propõem a pensar o sentimento de desprezo, esta ausência de consideração pelas relações que cultivamos nas nossas vidas, o exercício de poder dominante, a manutenção dos seres desprezados, lançando a provocação: como se pode tornar estético, bonito e interessante um sentimento cuja natureza se rege pela falta de apreço ou consideração por alguém ou alguma coisa?

 

Talvez uma das possíveis respostas à pergunta acima formulada possa ser dada pelas duas peças que fecham esta edição, onde o poder da mulher responde de forma inteligente, firme e destemida ao contexto patriarcal e opressor. “Another Rose” (10 junho) de Sofia Santos Silva (obra vencedora da 4ª edição da Bolsa Amélia Rey Colaço) projeta um diálogo entre a realidade oriental e ocidental a partir de um contexto particular, propondo uma colaboração com Gulabi Gang, um grupo ativista fundado por mulheres, sediado em Uttar Pradesh, no norte da Índia, para dar resposta à violência sistémica e discriminação generalizada de uma sociedade assente em práticas e costumes patriarcais que banalizam a violência sobre as mulheres.

 

Sobre esse combate nunca fechado contra a violência e censura, surge o espetáculo “Ainda Marianas” (11 junho), criação de Catarina Rôlo Salgueiro e Leonor Buescu a partir do livro “As Novas Cartas Portuguesas” publicado em 1972 por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, tendo este como ponto de partida as Cartas Portuguesas, romance epistolar publicado anonimamente, em 1669, e atribuído à freira Mariana Alcoforado. Uma obra essencial do feminismo, que em 2022 faz 50 anos, sendo esta uma obra que realça a perspetiva partilhada por Rui Torrinha ao afirmar que “Os novos lugares que procuramos construir em sociedade também passam por um entendimento mais claro e contextualizado sobre o nosso passado.”

 

De 6 a 9 de junho, a atriz, encenadora e professora Beatriz Batarda irá orientar o workshop de teatro, “de que nos serve a ilusão?”, destinado a estudantes de teatro que estejam nos últimos anos dos seus cursos, ou que tenham iniciado a sua experiência profissional nos últimos dois anos. A participação é gratuita, mediante inscrição e seleção, e implica disponibilidade em todas as sessões, bem como a aceitação do registo vídeo de alguns exercícios.

 

Nos dias 10, 11 e 12 de junho, o Teatro Oficina oferece a possibilidade a estudantes de teatro preferencialmente avançados na sua formação ou em situação recém-profissional, de participar nas jornadas de teatro programadas por esta companhia atualmente com Sara Barros Leitão ao leme. Sendo especialmente dedicadas a estudantes prestes a finalizar os seus cursos de âmbito teatral, estas jornadas não deixam de ser abertas a qualquer outro estudante de teatro que esteja noutro momento da sua formação, ou a quem saiu para o mercado de trabalho nos últimos dois anos de pandemia, em que o sector cultural esteve sobejamente afetado, e que sentem que ainda não conseguiram arrancar a sua vida profissional.

 

Tudo isto porque tal como afirma Sara Barros, Leitão “Fazer teatro também pode ser pensar e discutir teatro”. Mas, para fazer teatro, é também preciso saber como se abre atividade, como registar propriedade intelectual, como se apresenta um projeto para coprodução, como se faz uma candidatura. Assim durante estes dias, surgem explicações sobre tudo o que estes amantes de teatro sempre quiseram saber, mas talvez nunca ninguém lhes tenha explicado. Desde a partilha de experiências sobre estudar no estrangeiro, ao acesso às bolsas de estudo, passando por uma explicação sobre o mundo das agências e das audições.

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