Museu Como Performance regressa a Serralves

O Museu Como Performance regressa a Serralves a 11 e 12 setembro para a sua 7ª edição. Mais um passo para a afirmação do lugar da performance no espaço do Museu, mas também para o seu questionamento.

 

Em tempos de negociações dramáticas da presença, derivadas e agudizadas por crises sanitárias, emergências ambientais e por fricções sociopolíticas que somatizam as dores de crescimento dos ideais cosmopolitas à escala global, a performance oferece-se como uma possibilidade e campo de reflexão e experimentação, de encontros e de tensões cuja urgência parece inescapável.

 

Novamente, reúnem-se neste programa um conjunto de artistas e de trabalhos que oferecem uma trama de encontros e cruzamentos disciplinares onde se incluem performance, ações, dança, música e instalação. Cecilia Bengolea (AR) & François Chaignaud (FR), Coletivo Loa (PT), Guillem Mont De Palol (ES) & Miguel Pereira (PT), Inês Tartaruga Água (PT), Jack Sheen (UK), Margherita Morgantin (IT), Paz Rojo (ES), Rogério Nuno Costa (PT) são os nomes que marcam a 7ª edição

 

CECILIA BENGOLEA & FRANÇOIS CHAIGNAUD “SYLPHIDES”

Os Silfos são seres sobrenaturais, uma invenção da imaginação de seres humanos e psíquicos presos entre mundos (principalmente entre o dos mortos e o dos vivos, mas também o da fantasia e da realidade, o do que é possível e o do que não é …).

Tendo-se tornado uma tendência literária e coreográfica respetivamente nos séculos XVIII e XIX, a figura do silfo ainda aparece nos dias de hoje como um importante enigma na nossa imaginação. Enquanto questionam quão materiais são o corpo e a vida após a morte, bem como a nossa relação com os mortos e os seus corpos terrenos, os silfos lançam dúvidas sobre alguns grandes aspetos mais solidificados do pensamento ocidental: o dualismo, o tempo linear, o racionalismo …

 

COLETIVO LOA “NKISI”

Quatro entidades elementares, recetáculos de forças cósmicas, testam os limites do corpo num desejo transfigurador da matéria. Exploram as possibilidades de transcendência através da ativação mágica do espaço performativo, laboratório de iniciação ritual aos

mistérios do invisível. Guiados por dispositivos sónicos robóticos e mutações lumínicas, estes seres desafiam a perceção da realidade. Associada ao espetáculo foi desenvolvida uma instalação que propõe um confronto hologramático com um nkisi nkondi, uma figura de poder portadora de forças sobrenaturais. Esta proposta instalativa estabelece uma relação fantasmagórica entre o espetador e objeto de museu que ganha vida e assombra as relações de dominação colonial a que foi sujeito, revelando e restituindo a sua capacidade mágica.

 

GUILLEM MONT DE PALOL & MIGUEL PEREIRA “FALSOS AMIGOS”

Falsos Amigos” é um novo projeto em cocriação de Miguel Pereira com o coreógrafo catalão Guillem Mont de Palol. Partindo da origem etimológica comum de palavras de línguas diferentes, e de como por vezes essa aparente simbiose resulta em conceitos bastante distintos, “Falsos Amigos” posiciona os dois criadores num espaço de contraste entre o que há de semelhante e o que há de diferente entre eles.

Entre a língua castelhana e o português são frequentes os chamados falsos amigos, ou seja, palavras com grafia ou pronúncia parecidas, mas que na realidade possuem significados totalmente diferentes (“embaraçada”/”embarazada”, por exemplo). Desta correspondência de significados inadequada, baseada numa relação de amizade semântica falsa, Miguel Pereira e Guillem Mont de Palol desenvolvem a sua relação de falsa amizade – uma comédia de enganos a partir da exploração do movimento.

 

INÊS TARTARUGA ÁGUA “VARIAÇÕES PARA PIÕES N.º 1”

Variações para Piões” são um conjunto de exercícios que têm como ponto de partida o lançamento do pião e o encontro desse corpo giratório com diversas matérias. Em “Variação n.º 1” explora-se a sonoridade de piões de cerâmica, cujas formas variadas resultam em ressonâncias de timbres e alturas distintas por efeito da rotação contínua do próprio objeto.

Entram em jogo o corpo, matéria e movimento, usando o pião como instrumento que ocupa e se distribui no espaço através de trajetórias aleatórias criando uma dimensão

sonora espacializada e composições únicas a cada ato, onde o silêncio e a escuta atenta sublimam momentos de tensão, hipnose e meditação.

 

JACK SHEEN “CROON HARVEST”

A música de Jack Sheen manifesta uma preocupação em evitar narrativas lineares em favor de formas mais esculturais e ecológicas, muitas vezes usando ideias simples, como a repetição e a estática, enquanto questiona noções mais difusas, como processo, memória e clímax.

Croon harvest” centra-se no potencial da voz para criar uma intimidade notável quando no seu estado mais silencioso e não projetado, um estado no qual marcas, grãos e imperfeições ornamentam o som resultante. A peça é composta de pequenos fragmentos de som vocal, com duração de uma respiração, com cada cantor instruído a cantar de uma forma que se assemelhe a um murmúrio ou balbucio, em vez de cantar de forma projetada.

A peça – uma instalação performática espacializada – convida a uma celebração da vacuidade, colocando suaves lamentos vocais em diálogo com gravações lo-fi de silêncio doméstico tomadas pelo grande corpo de cantores que interpretam a obra para criar uma delicada tapeçaria de atividade ritualística, murmúrios suaves e ruído branco.

Para O Museu Como Performance, Sheen apresenta duas versões da obra. Uma na sequência da original e apresentada ao ar livre no Parque de Serralves, e a estreia mundial de uma nova versão que inclui instrumentos de corda a ter lugar na Casa de Serralves.

 

MARGHERITA MORGANTIN “COSMIC SILENCE (Fluorescence)”

“COSMIC SILENCE (Fluorescence)” é um dos momentos de “VIP = Violation of the Pauli exclusion principle, UNDER THE MOUNTAIN, ABOVE THE MOUNTAIN”, um percurso de pesquisa que parte da observação de algumas imagens da física subnuclear e das

astropartículas em relação com o imaginário artístico, praticado através da sensibilidade pessoal enquanto uma forma de dados científicos. O título toma emprestado o nome de uma das experiências de física de partículas que vem sendo realizada há anos nos laboratórios subterrâneos Gran Sasso do Istituto Nazionale di Fisica Nucleare sob o maciço Gran Sasso, a cadeia de montanhas no centro da Itália que se torna o centro físico e simbólico da investigação de Margherita Morgantin, graças à sua excepcional dupla perspetiva.

VIP é a sigla que denomina a busca experimental por ‘átomos impossíveis’, cujo aparecimento representaria uma violação do princípio de exclusão de Pauli, ainda considerado um dos pilares de nossa compreensão científica do universo e da matéria. Em VIP, o corpo e a experiência da artista passam a fazer parte das ferramentas científicas utilizadas para a pesquisa de campo.

VIP é articulado entre 2020 e 2021 através de diferentes graus de envolvimento de vários interlocutores e públicos no processamento e apresentação dos seus resultados

 

PAZ ROJO “ECLIPSE : MUNDO”

ECLIPSE : MUNDO” propõe um dispositivo de dissociação audiovisual em que a dança aparece como um vazio, como uma separação, como uma retração e como um abandono, correspondentes à origem etimológica da palavra “eclipse”. Como se fosse uma coreografia interrompida pela sua própria preparação, esta é uma dança que, embora não queira nada, faz alguma coisa. Tendo-se tornado um grave contínuo, uma ruína, um murmúrio, esta dança procura para si um outro ponto de partida, outra forma de voltar a dançar. Esta performance é acompanhada pelo livro “To Dance in the Age of No-Future”, de Paz Rojo, (publicado pela Circadian, Berlim 2019).

ROGÉRIO NUNO COSTA “MISSED-EN-ABÎME”

Em 1917, Marcel Duchamp escreve “1917” num urinol virado ao contrário. Em 1919, desenha um bigode no mais importante retrato da história da arte, não o original (ele não é Banksy), nem sequer uma reprodução (a Pop não havia ainda sido inventada), antes

um retrato que ele próprio pintou, assim copiando o original e, ao fazê-lo, quase repetindo Melville: I would prefer not to. Em 1921, Man Ray fotografa Duchamp enquanto Rrose Sélavy, fechando o ciclo, ou então abrindo o caminho para o desaparecimento do artista por trás do retrato. Um século depois, ainda não sabemos relacionar-nos, histórica ou artisticamente, com a radicalidade de tais gestos, ora descredibilizando-os (ou procurando-lhes novas autorias), ora atribuindo-lhes uma qualquer intransponibilidade ou irresolução histórica. MISSED-EN-ABÎME quer falar sobre um gesto (centenário) que pode ser lido enquanto destruição, revelação, ou simplesmente ostracismo auto-imposto, como se fosse impossível fazer seja o que for depois de se ter obliterado (quase) tudo. Duchamp terá passado décadas da sua vida a fazer nada, razão pela qual Enrique Vila-Matas lhe terá dedicado algumas notas no seu romance dos autores-do-não (“Bartleby & Cia.”, 2000): « Uma vez, em Paris, o artista Naum Gabo pergunta a Marcel Duchamp porque havia ele parado de pintar. “Mais que voulez-vous?”, responde Duchamp, levantando os braços no ar. “Je n’ai plus d’idées!” ».

A partir deste impasse, e através da ritualização de um isolacionismo queer e sacrificial, MISSED-EN-ABÎME atreve-se a revisitar a negligência de Duchamp, não para lhe atribuir uma solução — « …parce qu’il n’y a pas de problème » —, antes para aceitar o insucesso, o afastamento, a invisibilidade e o esquecimento, quiçá o desaparecimento, não como rituais de vitimização ou opressão autoinfligida, mas enquanto gestos de resistência/sobrevivência.

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