Manel Cruz no 20 anos do Hard Club

A 15 de Dezembro o Hard Club do Porto celebrou duas décadas com Manel Cruz como cabeça de cartaz. O concerto integrou-se na digressão do projeto “Extensão de Serviço”, prévia ao lançamento do álbum agendado para 2018. Depois dos “Ornatos Violeta”, “Pluto”, “Supernada” e “Foge, Foge, Bandido” o musico portuense pendurou-se no ukulele e no banjo, acompanhado por Nico Tricot, António Serginho e Eduardo Silva, consagrando-se como um dos mais talentosos compositores, letristas e cantores da atualidade.

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O público que encheu a sala 1 do hard club sabia ao que ia, qualidade distintiva num tempo em que é mais usual ir-se ao que não se sabe para marcar presença. Um público afável e cúmplice, interessado nos rendilhados das tessituras musicais.

Suspensa no fundo do palco, a orelha gigante que ilustra o single do ultimo verão, “Ainda Não Acabei”, cria um efeito refletor de eco visual com a audiência. Alinhadas em fila sobre o precipício do estrado, os teclados e mesas que converteram a “Estação” em “Extensão”, reforçando-a com efeitos digitais, e um set de bateria animado por elementos de percussão variados.

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O quarteto abre com “Reencontro”, um tema apoiado na voz e no baixo, e atrela-lhe “Entre as Pedras”, em que os loops de ruídos assobiam em ritmos divertidos de madeira, e o ukulele serve de base a uma voz distorcida sem perder o sotaque que lhe é característico. “Cães e Ossos” introduz o banjo, e acelera para um rock mais intenso, que desemboca na vibração dançável de “Ainda Não Acabei”. Uma analepse repesca “Borboleta”, e os versos paradoxais de quem é mesmo bom a ser quem é despertam o entusiasmo do público.

Estão esgotados os preliminares, o tronco desnuda-se com uma naturalidade determinista, e a figura frágil do Manel impõe-se como mais um instrumento em palco. A magnifica e recém divulgada “Beija-Flor” capta os sons do universo e espalha-os em timbre melancólico pelas quatro paredes da sala, numa interpretação quase “a capella”. A poeira que paira no ar é canalizada para “Anjo Incrível”, descendente de um cruzamento inter-racial entre a bossa nova e a marcha, e logo em seguida para a experimental “Libelinha” em que a voz se ergue sobre um loop até conseguir arrastar uma bateria criativa e um teclado clerical. O fio condutor faz inversão de marcha sobre “Cançao da Canção Triste”, e abre caminho pelo rock quase sinfónico de “Sexo Morno”.

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Caso Arrumado” introduz a musica soletrada com hífens, um registo soluçado à procura da rampa que desliza sobre a guitarra e a harmónica. A formação regressa a “Estou Pronto” e avança para “Missa”, onde a crítica religiosa é agreste e o groove é contagioso com aroma a “Talking Heads”. As referencias ecuménicas prolongam-se para “Como Um Bom Filho do Vento”, rezado como uma ladainha, para se desvanecerem-se em “Reboque”, marcado pela distorção vocal e teclados synth-pop.

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Do Buraco” emerge das profundezas com uma voz off que remete para os “Public Broadcasting Service”, e abre uma porta inesperada ao diálogo hip-hop de “Coisas da Manteiga”. “Desce à Cama” oferece um brevíssimo rasgão na continuidade espácio-temporal, e dá a mão a “Invenção da Tarde”, uma melodia tranquila que insufla ao espaço de hélio e faz o som levitar. Manel termina com a orgia de sons indígenas da “Canção da Canção da Lua” e despede-se.

Não de vez, porque há encores à espreita. Começa por dispensar a banda, de que não precisa para a lindíssima balada “Onde Estou Eu”, mas conjura-a de novo para fazer a barba às ideias no registo esquizofrénico com final apocalíptico de “Maluco”. Apresenta “Vida Nova” e conclui com uma visita a “Capitão Romance”, entoado em coro com a audiência. Insaciável, o publico suplica por mais, e leva uma bónus track tão imprevista quanto merecida.

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Um concerto que entrelaça temas novos com os antepassados de “Foge, Foge, Bandido”, abraçando estilos e referências ecléticos assentes no inesperado da experimentação sonora. Um cantar de segurança e simplicidade desarmantes, imperdível na acentuação de Manel como um aumentativo de Manuel.

 

Reportagem: Ana Cristina Carqueja

Fotografias: Vasco Coimbra

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