Linda Martini… A prova de que os ‘erro(r)s’ também resultam

Depois do cancelamento de 2020 e das máscaras distanciadas de 2021, eis que o Basqueiral está de volta tal como sempre o conhecemos. Livre! O clima é de celebração. Está finalmente tudo a voltar ao normal. E neste caso específico, a voltar em grande! O cartaz é um verdadeiro luxo e uma perdição para os fãs de Rock: no “Palco Tendinha” tocam os Linda Martini e logo a seguir os Bizarra Locomotiva.

 

A poderosa ”Lust For Life” do mítico Iggy Pop que (tão bem) acompanhou o meu jantar já dava a entender que algo muito especial estava prestes a acontecer, mas nada podia fazer prever o furacão que daí por poucas horas viria a assolar os jardins do parque de santa maria de lamas. Um furacão de seu nome Linda Martini.

Esta é a primeira tour que os Linda Martini fazem desde que o Pedro Geraldes saiu da banda, saída que aconteceu precisamente uma semana antes da banda editar o seu mais recente disco “ERRÔR”: notícia que apanhou toda a gente de surpresa. Eles sabem-no, o público sabe-o, a questão é incontornável e está presente em todas as nossas cabeças, não vale a pena negar. Mas também não vale a pena chorar.

Foi exatamente com essa filosofia e atitude que Cláudia Guerreiro, Hélio Morais, André Henriques e Rui Carvalho (aka Filho da mãe) subiram ao palco. Sem proferir uma palavra começaram imediatamente a tocar. Às vezes a música fala por si… A mensagem passou de forma clara: ESTES são os Linda Martini.

A música que abriu o concerto foi o último single a ser lançado “Eu Nem Vi”. Mas por mais poderosa que a canção fosse, e mesmo depois do statement inicial da banda, ainda havia umas réstias de tensão a pairar no ar, e quando o André Henriques chegou ao verso do refrão “eu nem vi que eu sem ti sou só eu” as nossas mentes ainda fugiram para o ex-guitarrista da banda. Era inevitável…

Felizmente, e muito graças á força contagiante dos próprios Linda Martini, o choque foi só mesmo inicial. Á segunda música, “Horário de Verão”, já estava tudo a curtir o concerto, a bater as palmas sincronizadas, tal como tinham aprendido com o videoclip há meses atrás.

Seguiu-se a primeira de muitas relíquias que os Linda Martini tinham guardadas para nos oferecer: “Boca De Sal” pôs toda a gente a saltar e a gritar “eu sei que mereço” e “quero tudo ao mesmo tempo”. Um verdadeiro shot de dopamina! Logo de enfiada, sem tempo para recuperar o folego, veio a maior surpresa da noite: pela primeiríssima vez, desde a entrada do Rui na banda, os Linda Martini ressuscitam o “Amor Combate”. Estreia absoluta no Basqueiral! Que privilégio.

Com o público ainda a recuperar do momento anterior, eis que a banda regressa ao “ERRÔR” com o tema “Rádio Comercial” que apesar do seu nome sugestivo de uma certa estação de rádio, me transportou curiosamente para uma estação concorrente (e media partner do Basqueiral – coincidências), mais especificamente para um maravilhoso programa de divulgação musical, de cada vez que o André Henriques gritava “estamos no ar, somos o ar”.

Por lá fiquei até reparar que o registo já tinha mudado, ainda que no mesmo disco, para a novidade do spoken word: tínhamos chegado á “Super Fixe”. Uma música que é uma conversa aparentemente descontraída mas que esconde uma profunda mensagem: “ninguém é tão feliz como diz”.

Num supersónico regresso a 2016, os Linda Martini trazem de volta “Putos Bons”, antes de regressar logo logo ao ERRÔR, e tal como o André Henriques canta, também o público não cabe em si!

Depois da “Festa da Expiação” eis que chega a altura em que os Linda Martini se dirigem ao público, sob a pessoa do Hélio Morais, para pedir um gigante aplauso para o seu amigo, companheiro e agora colega de banda Rui Carvalho. A euforia é geral, ouvem-se vários assobios e alguns “filho da mãe” gritados a plenos pulmões. Algo nostálgico, Hélio confessa que foi precisamente com o Rui que começou a tocar (nos saudosos If Lucy Fell) há muitos muitos anos. Os aplausos continuam ainda por algum tempo, a resposta (desta vez por parte do público) é também bastante clara: bem-vindo Rui!

Passado esse momento de partilha, feito compreensivelmente com algum receio, ficou claro como água que tinha acabado de sair um peso de cima dos ombros da banda. Agora sim, estávamos TODOS a curtir em conjunto!

A partir daqui o concerto cresceu (mais ainda) e transformou se numa feliz celebração da música e do Rock! Com tudo aquilo a que estes dois têm direito! Crowdsurfing, headbanging, (dois) mosh pits, you name it!

 

Em total concordância com o clima de renascimento agora instaurado, o tema “Se Me Agiganto” caiu que nem uma luva no alinhamento. Uma música muito especial que deixou o público em geral (e esta que vos escreve em particular) com os dentes todos cá fora.

E Não Sobrou ninguém”, com a sua mensagem de alerta social contra a discriminação (racial neste caso), serviu de mote para mais uma intervenção por parte de Morais, que lembrou aos presentes o facto de se estar a celebrar durante o mês de Junho o orgulho LGBTQIA+. Sigla que mal foi pronunciada gerou logo um borburinho geral na audiência, seguido de alguns aplausos e assobios (na minha opinião ainda bastante tímidos), assim como de alguns protestos (ao meu lado ouvia alguém queixar-se de que a banda estava a tornar-se sensacionalista). Não sei se o Hélio também ouviu o mesmo que eu ou não, mas a verdade é que respondeu ao barulho do público com as palavras “quem não gostar olha para o lado”. Talvez esta reação pouco efusiva tenha alguma coisa a ver com o facto do festival decorrer literalmente entre uma igreja e um cemitério… Acho que vou escolher acreditar nisso…

De volta a terrenos menos movediços, que é como quem diz á música, os Linda Martini levaram[1]nos a viajar novamente pelo “ERRÔR” desta vez com “Medalhinha”. E se ainda não tinha enaltecido a maravilhosa capacidade poética do André Henriques aproveito para o fazer agora, já que neste tema em particular, ela está em clara evidência, em especial nas palavras “havemos todos um dia” repetidas incessantemente, a fazer lembrar o grande Alexandre O’Neill e o seu poema pouco original do medo. Não é para todos…

Com “Taxonomia” os Linda Martini dão o concerto por encerrado, mas não demora quase tempo nenhum até a Cláudia espreitar pelas cortinas e voltar de novo ao placo, de cerveja em punho, para brindar com e ao público (que efusivamente brinda também de volta). Os restantes Martini vão regressando às suas posições para tocarem mais duas músicas. A Cláudia gostou do calor do público e continua a conversar connosco (como se fossemos amigos há anos), mas não traz boas notícias: ainda não vai ser desta que tocam a “Gravidade”. Ainda não é hoje que se vai poder ouvir o famoso “a puta da gravidade, a puta da gravidade, a puta da…” gritado por uma multidão em uníssono. Pena. Mas os dois temas (bem antiguinhos para compensar) não fazem uma troca nada má. “Dá-me A Tua melhor Faca” e “Cem Metros Sereia” acabam o concerto num demorado espasmo de euforia. Os Linda Martini estão de volta

Reportagem: Mariana Couto

Fotografias: Paulo Homem de Melo

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