Glockenwise… “Plástico” é um disco que fica na história da música portuguesa

“Vontade de mudar e de ter passos para dar”

É assim que se inicia “Plástico”, o disco de mudança de paradigma e chegada à idade adulta. É desta forma que os Glockenwise dão o “Corpo” a um manifesto pela música portuguesa mais interessante, arrojada e contagiante que se fez este ano e nos preparam para abraçar um disco notável.

Desde logo porque confirma a inteligência e a capacidade lírica e técnica de deixar para trás três discos de originais em inglês, e investir na língua portuguesa como forma de expressão de um discurso  pós-moderno, reflectido, crítico e descentralizado. Portugal não é só Lisboa, também há Barcelos! E Braga, Coimbra, Faro, Aveiro, Leiria, Évora e até Beja, imaginem… Ainda que “A crítica em Lisboa assobia para o lado / Toda a gente caga pinta e um programa de rádio / Espreme lá mais conteúdo / O mundo está com pressa / Já que sobram poucas vidas / Para fazer conversa” (em “Bom Rapaz”).

 

Plástico” verte (palavra a Norte…) ironia e humor sobre a espuma dos dias do teatro de papelão de protagonistas com que nos cruzamos diariamente que “Fazem um ar zangado de quem não quer falar / Cruzam os olhos de lado com medo de espreitar / Têm cuidado no passo / Graça de artista só / Muitas manias no trato / A mim só me dá dó”. Com as mais valias do saxofone de Julius Gabriel e a guitarra de Alexandre Soares, os dados estão lançados e os ouvidos conquistados. Por esta altura, já se percebeu que estamos perante canções de primeira água, música e letras desassombradas e capazes de equilibrar a urgência e a força do rock com letras contundentes, elegantes, refinadas e sinceras.

Moderno” confirma a tendência e é mais um subsídio para a consolidação da nova música portuguesa, criativa e sem constrangimentos, capaz de nos fazer dançar e inspirar, e rebentar “a bolha do país-festival”, sabendo que “A realidade só complica / E está cravada de sal”… Em “Dores”, uma inesperada caixa de ritmos, uma linha de baixo cheia de groove e borboletas electrónicas a cintilar, atravessam muralhas sonoras cimentadas a guitarras distorcidas, enquanto brotam mais uma mão cheia de versos que ficam na memória e são passíveis de citação “A causar impressões sou atleta / E tenho muito para da r/ Tantas pontas soltas  /Eu tenho para atar / Mas nem troco certo / Eu tenho para dar / De amargo eu já nem sinto / Que ideia é que eu pinto / Eu tenho muito para dar” E têm, mesmo!

 

Por exemplo, uma das melhores canções de amor da sua geração, “Sempre Assim”, ao som da qual “Pouco tempo para ficarmos sós / É melhor que nada / Prometemos mas não damos nós / Nem compramos casa / Juntamos trapos / Fazemos ceia / Ficamos fracos/À sexta-feira / Fazemos asneiras / Temos medo de ficar para trás / Ficar sem ideias / Sonhamos alto / A noite inteira / Poupamos largo / Semana e meia  / E que seja sempre assim / Que o que é melhor para ti / Também é melhor para mim”.

 

Ao vivo vão dar tudo, e para além das 9 canções que fazem do novo “Plástico” um dos melhores discos portugueses de sempre, há ainda uma mão cheia de temas clássicos indispensáveis a qualquer concerto dos Glockenwise, que estão diferentes, melhores, mas não esqueceram o passado. Nuno Rodrigues, Rafael Ferreira e Rui Fiúsa tinham 16 anos quando começaram. Não havia nada melhor para fazer em Barcelos. Sem vocação para a cerâmica, herdaram o espírito da famosa “cena de Barcelos”, uma narrativa cool que tem o Milhões de Festa como epicentro e a boa vizinhança como política criativa na altura de arranjar sítios para ensaiar e instrumentos emprestados para começar a tocar

 

Fica o aviso “Ando à tanto tempo a ser um bom rapaz / E nunca foi por falta de imaginação / Quero perder a vergonha / Mas não sou capaz / E correr tudo de estoura / Com o que tenho à mão / Eu não quero viver no fim da história” (em “Muito para Dar”).

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