FITEI 46… Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica está de regresso de 10 a 21 de maio

Movido pelo binómio Trauma e Bravura, o FITEI 46 busca investigar como o teatro é capaz de evocar conceitos como violência, memória e política, tão intrínsecos às comunidades afro-ibero-americanas.

É do contacto com os artistas e as suas obras que emergem as urgências dos nossos tempos, reveladas sobre os palcos através da arte.

Os ataques à democracia em diferentes partes do mundo — em particular nos países da América do Sul — o recente passado colonial em África ou ainda a guerra que atravessamos em território próximo do nosso, são algumas das questões que impulsionam os nossos artistas convidados a darem visibilidade, forma e significado a estas recorrentes experiências demarcadas pela violência. Como podemos então reestabelecer a bravura para confrontarmos todos estes traumas?” explica Gonçalo Amorim, a propósito da visão temática desta edição.

 

O festival arranca a 10 de maio com o espetáculo #5 Bochizami, no Subpalco do Rivoli. Uma nova criação da artista Flávia Gusmão em coprodução com o FITEI, #5 Bochizami é um travelling sobre a paragem do tempo que é o luto. É um travelling pelas memórias individuais e coletivas, reais ou ficcionadas.

É, também, o capítulo final de NA LUT@, projeto colaborativo de longa duração dedicado à produtora e ativista cultural Samira Pereira (1976-2021).

Em Cosmos, o percurso é outro. A obra de Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema propõe uma viagem interplanetária, onde se questiona a humanidade e o caminho percorrido até aos dias de hoje. Uma jornada de dez intérpretes em busca de novas possibilidades de futuro, é através do resgate da mitologia africana e da revisão de eventos históricos do passado que Cosmos se projeta num horizonte afrofuturista, enquanto questiona se somos apenas frutos das histórias que nos contam. Estará em palco no Teatro Carlos Alberto.

De regresso ao FITEI após a passagem na edição de 2018, os catalães Agrupación Señor Serrano trazem até ao Campo Alegre uma sessão dupla de Una Isla, também coprodução FITEI, um projeto que reflete sobre a “bolha de ódio” construída através das redes virtuais, com o selo dramatúrgico e dispositivos cénicos que caracterizam a obra da companhia: tecnologia em palco, uso de vídeo em tempo real, manipulação de objetos e câmeras de vídeo, projeções e dispositivos de visualização através de uma dramaturgia multifacetada.

A interpretação de Hamlet de Chela de Ferrari leva um grupo de pessoas com síndrome de Down ao palco do Teatro Nacional São João. A peça da companhia peruana, uma estreia nacional, é construída entre o texto de Shakespeare e a vida dos atores, e tem como ponto de partida a pergunta que ele nos faz sobre a existência. Ser ou não ser? O que significa ser para as pessoas que não conseguem encontrar espaços onde não são consideradas? Historicamente, as pessoas com Síndrome de Down têm sido consideradas um fardo, um desperdício social. Que valor e significado têm hoje num mundo onde a eficiência, a capacidade de produção e modelos inatingíveis de consumo e beleza são o paradigma do ser humano? “Ninguém viu, ninguém sabe, ninguém se lembra. A pedra partiu,” é o ponto de partida que nos dá Cristina Planas Leitão para O Sistema.

O Sistema é a urgência em virar do avesso. É sobre um antes e um depois e é sobretudo uma reflexão que parte de um sistema que não nos serve. Esta peça explora a solidariedade gerada a partir do trabalho coletivo e aborda a própria noção de labor, de labuta como gerador da ação, do movimento. Chega à Central Elétrica em sessão dupla.

Já em Moria, com apresentação no Teatro Carlos Alberto, o espanhol Mario Vega propõe uma experiência imersiva de teatro documental ao recontar a história de duas refugiadas e suas famílias que são forçadas a fugir do seu país. O trabalho teatral baseia-se em testemunhos reais filmados no campo de refugiados de Moria sob a supervisão de Nicolás Castellano, um repórter que passou os últimos 20 anos a fazer reportagens sobre movimentos migratórios forçados e direitos humanos. O espetáculo tem estreia nacional no Porto e estende-se até à cidade de Viana do Castelo, ao Teatro Sá de Miranda.

Ao Rivoli chega Subterrâneo, Um Musical Obscuro, uma colaboração entre os portugueses Má-Criação e os brasileiros Foguetes Maravilha e Dimenti. O ponto de partida foram as notícias sobre os 33 homens presos num desabamento na Mina San José, no Chile, em 2010, gerando um espetáculo sensorial onde a ausência de luz ganha novos contornos e significados.

Victor de Oliveira, artista da diáspora luso-moçambicana, há demasiado tempo paralizado no limbo em que a História o colocou, apresenta Limbo, um mosaico narrativo que, entre outros elementos, percorre a história íntima de um homem mestiço nascido em Moçambique. Entre a autoficção e a ficção social, questiona as razões do negacionismo histórico, as disputas da memória coletiva, as experiências de crescer na indefinição. O espetáculo é apresentado no Auditório de Gaia.

A co-encenação de Joana Magalhães, Mafalda Lencastre e Maria Inês Marques é acolhida pelo Campo Alegre em estreia absoluta. Em Piloto (coprodução FITEI), um grupo multidisciplinar de criativos (curadores, arquitetos, programadores, marketeers, entre outros) reúne-se para projetar um parque de diversões temático que permite experienciar a adrenalina do início de forma controlada, um simulacro do que poderia ser na vida real, caso tudo corresse bem. Nesta reunião, desenha-se o parque, testam-se hipóteses e fazem-se roleplays de possíveis inícios, em contexto imersivo. Define-se o que será este parque temático que deverá ser capaz de garantir que os desejos iniciáticos mais profundos dos visitantes possam vir a ser concretizados, ainda que por breves momentos.

A companhia Visões Úteis traz mais do que um mergulho nos arquivos infindáveis do FITEI com Ibérica Sector 5, mais uma coprodução. Propõe-se a (re)criar obras a partir do conceito de “reenactment” (recriação de momentos históricos emblemáticos). A primeira edição do Reenact Now, nome dado a este ciclo, é o espetáculo Ibéria Setor 5 e parte da obra com o mesmo nome, da Companhia Bonifrates, estreado em 1981. A estreia deste espetáculo acontece no Teatro Municipal de Matosinhos – Constantino Nery.

Em Se Eu Fosse Nina (na foto), Rita Calçada Bastos pretende estabelecer um diálogo de suposições e conjecturas entre uma Nina roubada à Gaivota, de A. Tchekov e o imaginário da própria actriz. Este espetáculo propõe reflectir, através de um exercício a solo, o limite entre a ficção teatral e a realidade, o universo de escolhas e a sua consequência prática e as próprias camadas de representação: a personagem que está presa no teatro e uma actriz que a quer salvar. Esta obra será apresentada no Pequeno Auditório do Rivoli, antecipada pelo lançamento do livro homónimo durante a tarde.

Criado enquanto “provocação cénica que reúne artistas, pensadores e curadores para refletir sobre a violência e a justiça na América Latina”, o Teatro Bombón Gesell (coprodução FITEI) continua o trabalho de criação dos dispositivos Gesell, que se materializa na apresentação de espetáculos curtos seguidos de uma mesa redonda. Terão lugar na mala voadora, que receberá a companhia argentina alguns dias antes para uma residência artística.

Serão apresentadas, ainda, as obras das companhias que estiveram em residência na edição 2022, como os projetos da Grua Crua, Que Não se Fale dos Velhos Tempos e de Nuno Nunes, Condomínio, ambas coproduções FITEI. Em Condomínio, o encenador traz-nos um espetáculo criado com uma comunidade de moradores do Porto, onde coabitam temas sobre cidadania e o sentido de pertença aos lugares, sobre a capacidade de agir conscientemente e sobre o conflito endémico entre interesses individuais e colectivos. Tudo isto no cenário previsível: numa reunião de condomínio, a ter lugar no Teatro Municipal de Matosinhos – Constantino Nery.

A peça Que Não Se Fale dos Velhos Tempos, exibida na Sala de Bolso, retrata a estória de um casal “beckettiano”, permanentemente perdido. Joga, nos rituais domésticos, uma vida gasta e encravada, onde a palavra se solta como conforto e confronto, misturando tempos, o do presente, onde o nexo se perde a cada gesto, e o do passado, onde, talvez, houvesse matéria para mais do que isto, o quase nada que agora partilham.

Olham-se e não se vêem, falam e não se escutam. Sobra-lhes a monotonia e o tempo infinito do fim da vida. O FITEI e as Escolas do Porto Dada a importância das escolas de teatro do Porto na formação das gerações futuras de atores, encenadores e profissionais do teatro, é imprescindível que continuem a ter expressão no FITEI.

Na 46ª edição, são três as escolas de teatro do Porto que apresentam projetos: a ESMAE, a ESAP e o balleteatro.

 

Photo: Estelle Valente

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