Emicida edita novo álbum… “AmarElo”

Emicida exalta as coisas simples da vida e a grandeza da humanidade na experiência social “AmarElo”. No novo trabalho de estúdio, o rapper paulista conecta as pessoas pelo o que elas têm em comum, usando o amor como ponte.

 

Para um mundo em decomposição, Emicida optou por escrever como quem manda cartas de amor. O resultado desse exercício é o novo projeto de estúdio do rapper paulista, “AmarElo”, em que ele propõe um olhar sobre a grandeza da humanidade.

Com o título inspirado num poema de Paulo Leminski (amar é um elo | entre o azul | e o amarelo), o artista busca – ao longo das 11 faixas – reunir heranças, referências e particularidades encontradas na magnitude da música brasileira e aplicar-lhes olhares e aprendizagem que acumulou desde o lançamento da sua primeira (e clássica) mixtape “Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida Até Que Eu Cheguei Longe” (2009).

 

Usando o rap como fio condutor, Emicida soma o clássico ao moderno numa incursão que ele ousa chamar de neo-samba, também responsável por elevá-lo ao mesmo patamar dos grandes mestres. Produzido por Nave, “AmarElo (volume 1)” entra nas plataformas de música pela Laboratório Fantasma e com distribuição da Sony Music.

“Principia” inicia a narrativa da experiência social proposta pelo artista na perspectiva do amor e da fé. Uma maneira de abrir os caminhos para, em seguida, falar de coisas positivas. Regida pelo agogô, um dos instrumentos característicos do Candomblé, a faixa busca em sua sonoridade os caminhos da música sacra brasileira. “Ouvi muito gospel e tudo soava, obviamente, muito norte-americano. Quis encontrar uma forma de trazer aquela força bonita do gospel deles para um ambiente de terreiro, de pé descalço, de canto e de percussão”, diz o rapper sobre o processo de pesquisa. “Aqui, é como se negassem a música sacra do Brasil por ela ser preta”, pensa. Daí, surgem as participações especiais encarregadas por criar um ponto de contato via a espiritualidade de cada um. Além da cantora Fabiana Cozza (no refrão), Nina Oliveira, Indy Naíse e Marissol Mwaba juntam-se ao coro, assim como as Pastoras da Comunidade do Rosário. Tratam-se de mulheres sexagenárias da Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França (construída por descendentes africanos mantidos como escravos no século XVIII). “A importância das Pastoras no coro é por elas conferirem uma energia secular de uma espiritualidade que não se deixou corromper pelo tempo”, afirma Emicida. O diálogo é encerrado por uma palavra do Pastor Henrique Vieira.

 

Com vocais de MC Tha, “A Ordem Natural das Coisas” reflete sobre a serenidade como estratégia de sobrevivência. Tal calmaria é aquela vista nas camadas menos abastadas do país, em que um “simples” detalhe da rotina, como uma mãe lembrar o filho de levar o documento, faz com que a vida sempre vença. “Eu me divirto em criar rap com metáforas falando como a gente é foda, mas o que importa, de verdade, é encontrar coisas grandiosas na rotina e fazer com que todo mundo se sinta enorme pelas coisas que tem”, resume Emicida.

De seguida, “Pequenas Alegrias da Vida Adulta” dá um cavalo de pau na riquíssima cultura de crónicas do rap brasileiro e conta a história do super-herói que apanha o autocarro. O género sempre elaborou relatos a respeito da pobreza, da tristeza e de muitos males. Esta canção surge, contudo, para evidenciar a importância de se ter sensibilidade para perceber as “pequenas” vitórias nos detalhes – seja numa “boa promoção de fralda nessas drogarias” ou ao “encontrar uma tupperware que a tampa ainda encaixa”. Adicionalmente, a canção traz Marcos Valle ao piano. “Quando vi ele gravando pensei: ‘caralho, Jay Z e Kanye West sampleam o Marcos Valle e a gente TEM o Marcos Valle”, diverte-se. No fim do tema, um sketch do humorista Thiago Ventura prepara o terreno para “Quem Tem um Amigo (Tem Tudo)”. A música em questão enaltece a beleza que é ter alguém com quem contar, além de ser uma homenagem ao sambista Wilson das Neves (1936 – 2017). “O Seu Wilson não usava WhatsApp, então ele me mandava as melodias em fita cassete pelo correio mesmo. Eu estava trabalhando em algo para nós dois gravarmos, porém ele partiu antes disso“, partilha Emicida. A melodia passou a trilha dessa ode à amizade, que agrega Zeca Pagodinho, a dupla Os Prettos e o grupo japonês Tokyo Ska Paradise Orchestra.

 

Paisagem” é um retrato de como é chocante, para além das mazelas, a apatia e a passividade com que as pessoas lidam com as tragédias diárias que ocorrem no país. A ideia é colocar a questão estrutural em evidência enquanto sociedade, o que resulta no verso “vendo os monstros que surgem com origem na fuligem do vale”. O rapper aponta para uma problemática mais complexa do que simplesmente a situação política do país. “O que gera esses monstros e faz com que eles cresçam é abismo social que temos entre um e outro”, explica.

 

Cananéia, Iguape, Ilha Comprida” soa como o som do interior do coração e é a segunda música que Emicida compôs em um instrumento, no caso o piano. Tema que fala sobre a relação claustrofóbica que temos com a cidade e a falta que faz pisar na terra e plantar o próprio alimento. “9nha”, por sua vez, conta com a participação de Drik Barbosa. Uma espécie de love song bastante curioso que acena para a música “O Meu Guri”, de Chico Buarque, mas com fórmulas emicidísticas.

Ismália” teve como inspiração o poema de mesmo nome escrito pelo mineiro Alphonsus de Guimaraens (pseudônimo de Afonso Henrique da Costa Guimarães). “Geralmente, a tônica dada a esse texto é a romântica, ou melhor, a loucura de amor. Eu enxergo de outra maneira, que é a metáfora do que é ser preto no Brasil”, explica o rapper. A voz da cantora Larissa Luz dá a força e a urgência necessária aos assuntos abordados na letra. O poema “Ismália” é lido por Fernanda Montenegro. “Colocar a nossa maior atriz viva para interpretar, dá outra profundidade a tudo aquilo que estamos dizendo”, define Emicida.

O trio que encerra “AmarElo” é composto pelos singles que foram lançados inicialmente. “Eminência Parda” (com Dona Onete, Jé Santiago e Papillon), a faixa-título “AmarElo” (com Pabllo Vittar e Majur; e sample de “Sujeito de Sorte”, de Belchior) e “Libre” (com o duo franco-cubano Ibeyi) foram responsáveis por preparar o terreno e exemplificar a experiência social proposta por Emicida no sucessor de ‘Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa…’ (2015). Nessas faixas, o artista preocupa-se, respectivamente, em: evidenciar de onde emana o poder verdadeiro; incentivar as pessoas a observar em seu redor e que se vejam maiores do que os seus problemas; e gritar pelo direito de poder viver, resistir e amar da sua forma.

Na capa de “AmarElo” consta uma imagem feita pela fotógrafa e ativista Claudia Andujar. “Tem criança de 8 anos sendo baleada pelo Estado”, introduz Emicida. “Ter três crianças indígenas na capa, num período em que estão vendo a sua cultura e o seu modo de vida ameaçados, é colocá-las para encarar o Brasil dizendo: ‘Sério mesmo: Vai acontecer tudo de novo:?”, explica. A outra inspiração foi a capa do disco ‘Stakes is High’, dos americanos De La Soul. Nos Estados Unidos, o trabalho é visto como uma fórmula anti-gangsta de se fazer rap. E ‘AmarElo’ também tem muito disso. “O rap é compreendido por um estereótipo que é o mesmo dado às pessoas pretas, como a raiva e a pobreza. Muitas vezes, o discurso das músicas corroborou com isso. Por mais que a denúncia seja valiosa, ela achata a experiência e não faz justiça a tudo o que somos. Em “AmarElo”, a gente foge desse espectro previsível do que o rap pode ser”, finaliza Emicida

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